Aprovada pela Câmara dos Deputados em julho deste ano e pelo Senado Federal no início deste mês, a reforma tributária já começa a ser vista como um futuro inevitável para o Brasil. Com a promessa de melhorar a eficiência e a qualidade da tributação, além de trazer clareza e simplicidade para a população, a mudança na legislação dos encargos é um passo importante para que o país possa começar a caminhar na direção de um mercado econômico mais competitivo e de menor custo para produtos ou serviços.
No entanto, é um tanto prematuro afirmar categoricamente que as novas regras fiscais nos colocarão nessa desejada realidade. Na verdade, avaliando todo o cenário que temos até o momento, o mais provável é que iremos continuar com algumas das imperfeições que já são latentes no contexto nacional. O contribuinte deve arcar com as contas da mesma forma como acontecia anteriormente, com a principal diferença sendo que a tributação agora fica mais clara e transparente para ele, o que, querendo ou não, já pode ser visto como um avanço significativo.
O fato é que quando avaliamos num viés mais macro, o Brasil pode estar desperdiçando uma chance de ouro. Até porque, uma vez que estamos dispostos a discutir e trazer atualizações às perspectivas tributárias para o país, as transformações poderiam ser muito mais expressivas e verdadeiramente alinhadas com uma concepção contemporânea de economia e de mundo.
Um exemplo prático do que estou falando pode ser observado quando avaliamos as condutas ESG, que é um conjunto de padrões e boas práticas que visam definir se uma empresa é socialmente consciente, sustentável e corretamente gerenciada. Quando tratamos do tópico, o Brasil sempre aparece como um dos protagonistas globais, sobretudo por conta da questão ambiental e o fato de possuir a segunda maior área florestal do mundo, com aproximadamente 500 milhões de hectares. Desse montante, somente a floresta amazônica é responsável por mais de 334 milhões de hectares do território nacional e 5% da superfície terrestre, por isso, é considerada a maior reserva de diversidade biológica do planeta.
Por mais que exista uma preocupação latente para a preservação da área, temos que ter em mente que a nova reforma manterá a isenção de impostos para as empresas instaladas na Zona Franca de Manaus. Através do chamado tributo seletivo, ou ‘imposto do pecado’, o país irá manter as proteções legais às indústrias da região. Por mais que seja uma ação justificável, mercadologicamente falando, visando ao melhor escoamento dos produtos para a região Norte, a medida acaba sendo bem pouco atrativa quando avaliamos pelo viés ambiental local.
Em outras palavras, no momento em que a legislação segue incentivando a industrialização no coração da selva amazônica, será praticamente impossível esperar que o Brasil consiga se apropriar de investimentos direcionados à pauta ambiental. De acordo com o relatório ESG Radar 2023, publicado pela empresa de consultoria e serviços digitais Infosys, os investimentos atrelados ao ESG nas indústrias devem chegar à casa dos US$ 53 trilhões até o ano de 2025.
O Brasil está “virando a cara” para todo esse dinheiro, desperdiçando ainda todo o potencial de economia verde do país. Não só isso, estamos ignorando também a possibilidade de contar com um setor industrial e corporativo cada vez mais alinhado às diretrizes de mercado.
Ainda nesse sentido, outro ponto que poderia ser melhor explorado através da construção das novas regras fiscais é a própria modernização da nossa economia como um todo. Isso porque, mesmo após a reforma, o incentivo a setores mais modernos, como energia renovável, robótica, entre outras tecnologias de ponta, seguirá desanimador. Por outro lado, o foco dos benefícios ainda estará alocado a negócios mais tradicionais do setor produtivo, como o próprio agronegócio.
Obviamente, compreendo a importância de se manter os esforços direcionados a um setor que representa praticamente 25% do PIB brasileiro. Entretanto, acredito também que este período de reformas e atualizações na tributação poderia simbolizar uma mudança de chave definitiva na economia do país, trazendo o incentivo para o desenvolvimento de áreas mais modernas e de maior prestígio, economicamente falando.
O país necessitava urgentemente modernizar a sua estrutura de tributação e a reforma tributária vem para atuar nesse sentido. Porém, vários dos pontos de maior impacto acabaram não entrando na pauta. É muito provável que a reforma acabe por manter as imperfeições na economia nacional e desperdice a chance de apresentar soluções realmente efetivas de médio a longo prazo. E quem tenderá a pagar por isso depois serão todos os brasileiros.
*Yvon Gaillard, cofundador e CEO da Dootax. Com mais de 15 anos de atuação no mercado, é um dos principais personagens na revolução do sistema fiscal do país. Economista formado pela FAAP e com MBA pela Business School São Paulo, liderou projetos em empresas como Gol Linhas Aéreas e Thomson Reuters.