Estatais vinculadas ao Ministério da Defesa, por intermédio dos comandos do Exército e da Marinha, foram excluídas de uma auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) que apontou pagamentos acima do teto salarial em estatais dependentes da União, com prejuízos de R$ 44 milhões aos cofres públicos em cinco anos.
A Imbel (Indústria de Material Bélico do Brasil), ligada ao Exército, “conta com uma legislação específica sobre o controle dos seus gastos”, segundo a justificativa da CGU para a exclusão da estatal da auditoria.
A própria Imbel, porém, afirmou em nota à Folha que a empresa é objeto de auditoria da CGU, do TCU (Tribunal de Contas da União) e de órgãos de controle internos.
Outra estatal excluída da auditoria foi a Amazul (Amazônia Azul Tecnologias de Defesa), vinculada à Marinha.
Segundo o relatório da CGU, a competência para auditar a Amazul é da Secretaria de Controle Interno do Ministério da Defesa.
A legislação, no entanto, definiu a CGU como órgão central do sistema de controle interno do governo federal, responsável por orientação, normas e supervisão técnica.
A CGU disse, em nota, que a legislação de 2000 e 2001 impede a atuação em órgãos da estrutura do Ministério da Defesa. Seriam os casos de Imbel e Amazul, conforme a CGU.
A atribuição é da Secretaria de Controle Interno do ministério e das unidades de controle dos comandos militares, segundo a nota.
O Ministério da Defesa não respondeu às perguntas da reportagem sobre o que já foi feito, em termos de auditoria, em relação a pagamentos acima do teto salarial em estatais. Os emails foram enviados às 17h11 de quarta (22) e às 14h34 de quinta (23).
Nas duas estatais, os presidentes são militares de altas patentes e acumulam remunerações das Forças a que pertencem e das empresas que presidem.
O general de Exército da reserva Aderico Visconte Pardi, presidente da Imbel, recebe ao todo R$ 49,9 mil brutos. O vice-almirante da reserva Antônio Carlos Guerreiro, presidente da Amazul, ganha R$ 62,9 mil brutos.
Reportagem publicada pela Folha no dia 4 de setembro mostrou que 15 presidentes de estatais com controle direto da União são militares de Exército, Aeronáutica e Marinha e acumulam remunerações. Isto equivale a um terço das estatais do tipo.
Os valores oscilam de R$ 43 mil a R$ 260 mil, valor este previsto ao presidente da Petrobras, o general de Exército Joaquim Silva e Luna. O total abrange rendimentos fixos, variáveis e a remuneração de militar da reserva.
Uma portaria de abril do Ministério da Economia, que permitiu o acúmulo de remunerações por militares da reserva que ocupam cargos no governo Jair Bolsonaro, passou a ser usada formalmente para justificar remunerações duplicadas em pelo menos seis estatais. Antes, o acúmulo já era uma regra.
A auditoria da CGU não analisou esses casos. Os auditores verificaram apenas pagamentos acumulados no mesmo cargo, com a soma da remuneração e de aposentadoria pelo regime geral de Previdência Social.
Mesmo com essa restrição de análise, a auditoria detectou 241 empregados de seis estatais recebendo valores acima do teto salarial de R$ 39,3 mil, que é o salário de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
O prejuízo mensal aos cofres públicos é de R$ 738,7 mil. Por ano, R$ 8,8 milhões. E em cinco anos, R$ 44 milhões, conforme a CGU, que recomendou uma maior fiscalização desses pagamentos e a interrupção dos acúmulos.
Os casos de pagamentos acima do teto foram identificados na Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco), EBC (Empresa Brasil de Comunicação), INB (Indústrias Nucleares do Brasil), Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), HCPA (Hospital de Clínicas de Porto Alegre) e GHC (Grupo Hospitalar Conceição).
Dois contra-almirantes da reserva presidem INB e Nuclep. Eles acumulam rendimentos e ganham mais de R$ 60 mil brutos por mês.
As estatais disseram à CGU respeitar o teto, dentro do que é possível de ser detectado. Há uma falha no cruzamento de informações entre sistemas, admitiu parte das empresas.
O relatório, concluído em 1º de junho, aponta indícios de que pode haver pagamentos acima do teto nas estatais excluídas do escopo da auditoria.
Dependente do Tesouro Nacional para o pagamento de suas despesas, a Imbel não utiliza o Siape (Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos) para o processamento de sua folha de pagamentos.
A estatal tem mais de 2.000 empregados. Empresas públicas dependentes devem usar o Siape, por exigência legal, segundo a auditoria.
“A Imbel está sujeita ao controle externo exercido pelo TCU, além de ações de controle do governo federal por parte da CGU e dos órgãos estatutários da empresa”, afirmou a estatal, em nota.
Por receber recursos da União para pagar a folha de pessoal, a empresa está sujeita às regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, disse.
As contas da empresa são julgadas anualmente pelos órgãos de controle e os resultados são publicados no Diário Oficial da União, conforme a Imbel.
O acúmulo de remunerações pelo presidente da companhia está amparado pela portaria de abril do Ministério da Economia, com o teto constitucional incidindo isoladamente em cada remuneração, segundo a nota.
No caso da Amazul, os auditores da CGU informaram em uma tabela que havia 16 empregados com remuneração superior a R$ 30 mil e que também recebiam aposentadorias. A estatal tem mais de 1.700 empregados.
“As situações verificadas no presente trabalho foram encaminhadas para a referida Ciset [Secretaria de Controle Interno do Ministério da Defesa] para adoção de providências”, cita o relatório da CGU.
A Amazul disse, em nota, que não faz nenhum pagamento acima do teto, a nenhum integrante da empresa. “A Ciset é um ‘braço’ da CGU e compõe o sistema federal de controle. A Amazul está jurisdicionada a essa secretaria.”
Triagens feitas pelo Siape detectam e corrigem “qualquer situação anômala”, segundo a empresa.
“O sistema do Siape é programado para aplicar o chamado abate teto quando é registrado um salário acima do teto, reduzindo-o, imediatamente, ao limite legal”, afirmou a estatal na nota.