Política

Bolsonaro erra ao comparar preço da gasolina, dizem analistas

O presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou um vídeo em que critica o preço da gasolina no Reino Unido

O presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou um vídeo, neste domingo (18), em que critica o preço da gasolina no Reino Unido, durante viagem para acompanhar o velório da rainha Elizabeth II. O chefe de Estado compara os valores com o Brasil e passa uma ideia de que a situação nacional é bem melhor neste tema. Ele acerta ao comparar? O cenário brasileiro é melhor atualmente?

De acordo com Carlos Eduardo Drumond, professor de Economia da UESC, o presidente Bolsonaro não fez uma comparação correta. Além disso, ele afirma que o vídeo tem uma única função: ajudar na sua imagem com os eleitores. 

“A comparação usando o câmbio corrente, como fez o presidente, não é uma comparação muito rigorosa. O correto seria usar alguma medida que levasse em conta a Paridade Poder de Compra. Sejamos honestos, contudo, é esperar demais que um político faça algo assim”, afirmou Drumond ao BP Money. 

“Até o ministro de Minas e Energia [Adolfo Sachsida], que é doutor em Economia, está comemorando esse número nas redes sociais. Certamente o ministro sabe que usar a PPI [preço de paridade de importação] seria o correto a fazer. O que quero dizer com isso é que, quando o político está pedindo voto, vai escolher os números que o ajudem a contar a melhor história para seus eleitores”, completou o economista. 

??Quanto custa a gasolina na Inglaterra? pic.twitter.com/Ee8mo81yWZ
— Eduardo Bolsonaro 22.22?? (@BolsonaroSP) September 18, 2022

No vídeo, o presidente Bolsonaro aparece em frente ao painel de preços de um posto de gasolina em Londres, capital inglesa, no qual marcava o preço do litro do combustível a 1,61 libra, de acordo com ele, que pondera: “praticamente o dobro da média de muitos estados no Brasil”. 

“O mandatário recorreu à forma mais rudimentar de comparação internacional, isto é, fez somente a conversão do preço do combustível em libras para reais aplicando a taxa nominal de câmbio. Este método possui vários inconvenientes visto que as taxas de câmbio flutuam afetando, portanto, a análise das variáveis econômicas, principalmente, quando ocorrem oscilações bruscas”, ressaltou o economista Ricardo Macedo. 

Ainda de acordo com o especialista, modo simples da comparação realizada não levou em consideração o padrão de vida entre os países já que cada um possui distintas estruturas produtivas e diferentes padrões de consumo.

“As comparações internacionais só são possíveis devido à índices de paridade de poder de compra produzidos por instituições como FMI, OCDE entre outras. Deste modo, a análise, com base em um padrão de renda per capita, fica mais refinada”, salientou Macedo. 

Comparação feita por Bolsonaro foi correta?

A comparação feita pelo presidente, se convertida, de fato não está errada. O preço de 1,61 libra está custando R$ 9,62 na cotação atual, sendo maior do que a média verificada no Brasil, que é de R$ 4,97, de acordo com dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) divulgados na última semana. 

Entretanto, é preciso lembrar um fato bem simples e importante: os ingleses não ganham em reais, mas sim, em libras e a gasolina é paga com a moeda local, que volta a ser, então, de 1,61 libra. 

Porém, é possível fazer uma comparação entre ambos os cenários. Esse cálculo é feito por meio de algum indicador de renda, como o salário mínimo, por exemplo. Com isso, será possível saber o quanto esses preços afetam no bolso dos londrinos e brasileiros. 

Pegando como base um tanque de 50 litros, que é a capacidade da maioria dos carros de passeio, o brasileiro precisaria gastar R$ 248,50 para enchê-lo. Esse valor corresponde a 20,5% do salário mínimo atual, que é de R$ 1.212. 

Já o londrino acima de 23 anos recebe, mensalmente, em torno de 1.520 libras, ou 9,50 libras por hora, segundo dados do governo do Reino Unido. Com isso, ele gastaria 80,50 libras (R$ 474,95), na cotação atual) para encher o tanque de 50 litros. 

Alguém pode alegar os R$ 474,95 serem superiores aos R$ 248,50 gastos pelos brasileiros, mas voltamos àquele importante ponto: o londrino não recebe em reais. Se recebesse, o mesmo embolsaria por mês cerca de R$ 8.968. 

Fatores colaboram alta dos combustíveis na Europa e queda no Brasil

O cenário atual, no entanto, vem mostrando que o preço do combustível na Europa vem subindo, enquanto que no Brasil ele vai na contramão. Alguns fatores explicam ambos os casos. 

No âmbito nacional, o preço do litro da gasolina chegou a ultrapassar o patamar de R$ 8 no primeiro semestre. Porém, vem caindo desde junho, puxado pela isenção de impostos federais e pela adoção de um teto de 17% para o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) que incide sobre o combustível. 

No entanto, esse limite só vale até dezembro, o que acabou gerando alguns questionamentos, por ser tratado como uma medida eleitoreira do presidente. 

“Há um componente político muito forte na redução do preço da gasolina. O projeto da reeleição depende, e muito, da recuperação de apoio político, principalmente de caminhoneiros. Para isso, o atual governo zerou as alíquotas de PIS e COFINS (impostos federais) sobre o diesel e o gás de cozinha até dezembro deste ano. Gerou um pacote de R$ 53 bilhões para reduzir o preço dos combustíveis e, consequentemente, diminuir o preço das bombas”, salientou Macedo. 

Na semana em que o teto do ICMS foi aprovado, a gasolina comum custava R$ 7,23, em média, segundo a ANP. Hoje, é vendida por R$ 4,97 — uma redução de mais de 30%.

“A redução é de 32%, aproximadamente, se comparado ao preço de R$ 7,39 por litro no final de junho. Cabe dizer que tal preço era o pico atingido antes da aprovação pelo Congresso dos cortes de impostos estaduais e federais. A busca insana pela reeleição contribui para a elevação da dívida nacional implicando expectativas pessimistas para a economia brasileira a partir do próximo ano, apesar do crescimento recente”, completou o especialista. 

A queda foi ainda maior após os cortes promovidos pela Petrobras no preço da gasolina nas distribuidoras, acompanhando a cotação do petróleo no mercado internacional. A última redução ocorreu no início deste mês, em R$ 0,25. 

Na contramão do Brasil, a Europa vem enfrentando problemas graves com a Guerra entre Rússia e Ucrânia. Embora também tenha afetado o nosso País, os impactos foram muito mais negativos em solo europeu, provocando alta generalizada de preços dos combustíveis e da energia.

“Esse é um capítulo adicional no choque de oferta que vivemos com a pandemia e agora com a guerra. Os impactos já são conhecidos, mais pressão inflacionária na Europa, que tenta agora se adaptar. Essa adaptação, contudo, demora tempo. No curto prazo realmente o que veremos é mais pressão na inflação e o BC Europeu tendo que lidar com isso”, afirmou Drumond. 

A Rússia, antes de invadir a Ucrânia, era responsável era responsável por 40% do gás utilizado em todo o continente europeu. Em meio ao conflito, esse fornecimento foi reduzido e, em alguns momentos, interrompido. O Reino Unido, principalmente, vem passando por uma crise energética por conta desses fatores e a sua inflação vem flertando com os dois dígitos há um tempo. 

“A inflação no Reino Unido chegou a 9,9% gerando uma grande preocupação para a nova primeira-ministra britânica Liz Truss, que já anunciou o congelamento de preços da eletricidade. Há um choque adverso da oferta porque o conflito fez com que o fornecimento de petróleo e gás por parte da Rússia fosse cortado drasticamente”, explicou Macedo. 

Apesar de um cenário desfarovável no Reino Unido e, atualmente, favorável ao Brasil, a comparação feita pelo presidente Bolsonaro, ainda assim, não foi correta, já que os londrinos, neste caso, sentem menos no bolso com o preço dos combustíveis em relação aos brasileiros.   

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