A PEC da Transição tem sido manchete nos noticiários políticos brasileiros desde novembro. Essencial para cumprir as promessas de campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o projeto inicialmente previa um furo do teto de gastos em R$ 200 bilhões pelos próximos quatro anos para garantir o pagamento do Bolsa Família de R$ 600 a partir de janeiro e um adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos. Após semanas de longas negociações, a proposta acabou sendo aprovada na Câmara e no Senado, mas com algumas alterações.
Segundo analistas consultados pelo BP Money, a PEC da Transição, apesar de aumentar a renda da população mais pobre, poderá impactar negativamente vários setores da economia brasileiro, como varejo e construção civil.
Quais setores serão prejudicados pela PEC da Transição?
Depois de longas negociações com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e impasses envolvendo ministérios, a proposta foi recentemente aprovada pelos deputados, mas com algumas mudanças. Antes R$ 200 bilhões, a PEC agora ampliará o teto de gastos em “somente” R$ 145 bilhões. Além disso, a PEC aprovada pela Casa Legislativa reduziu o prazo de vigência dessas regras para apenas um ano.
Com um furo previsto de R$ 145 bilhões pelo período de um ano, nem Lula e nem Fernando Haddad (PT), futuro ministro da Fazenda, revelaram quais medidas fiscais serão tomadas para financiar a PEC da Transição. Apesar disso, visando os impactos do projeto, o Itaú Unibanco (ITUB4) elevou sua projeção para a taxa de juros em 2023, prevendo um aumento significativo do gasto público, ou seja, um crescimento da inflação.
Diante de um possível cenário de aumento dos gastos estatais, o Banco Central, mesmo tendo sinalizado um arrefecimento da taxa Selic em 2023, pode ser obrigado a elevar a taxa Selic a fim de diminuir a escalada dos preços. Curiosamente, Roberto Campos Neto, presidente do BC, sinalizou na última reunião do Copom, em dezembro, que a queda da taxa de juros em 2023 pode não se concretizar.
Caso a PEC da Transição resulte em mais inflação e juros mais altos, Elcio Cardozo, sócio da Matriz Capital, acredita que os setores de consumo e construção civil serão os mais afetados com a proposta social do governo Lula.
“Neste caso, os setores mais sensíveis serão o consumo e o de construção civil, principalmente. Isto porque tais empresas necessitam que a população tenha maior poder de compra para obterem melhores resultados financeiros e, com isso, as ações subirem. Com a alta da taxa de juros, o crédito para as pessoas físicas fica mais caro e isso acaba desestimulando que a população consuma ou adquira financiamentos”, explicou.
De acordo com o economista Diego Hernandez, caso Lula não apresente um projeto fiscal sólido, a PEC da Transição tem capacidade de atrapalhar não somente alguns, mas todos os setores da economia brasileira.
“Se o País não mostrar que é pontual esse estouro, basicamente todos os setores seriam prejudicados. Se não houver nenhum projeto fiscal mostrando solidez, no longo prazo, todos os setores serão prejudicados, pois haverá um aumento dos juros, inviabilizando uma série de projetos da economia”, afirmou.
Para Hernandez, caso os juros, impulsionados pela PC, aumentem em 2023, o empreendedor brasileiro não irá colocar seu capital na economia real, mas sim faria aportes em títulos governamentais, pois estes representam um risco financeiro zero. Sem investimentos, vários setores da economia acabariam lesados.
“Com o aumento da taxa de juros, o empreendedor estará mais preocupado em aplicar no governo, cujo risco é zero, do que colocar o dinheiro na economia real, cujo risco será ainda mais elevado. Sabemos que empreender é uma atividade de alto risco, então o empreendedor prefere colocar o dinheiro em algo sem risco, que esteja remunerando mais o patrimônio dele”, completou.
Quais setores serão afetados positivamente pela PEC da Transição?
Ao distribuir um Bolsa Família de R$ 600 e um adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos, a PEC da Transição pode gerar um impacto positivo imediato sobre o consumo das famílias mais empobrecidas, benficiencando os setores de serviços, segundo Saulo Abouchedid, doutor em economia e professor de Macroeconomia e Economia Monetária na FACAMP.
“As consequências econômicas da PEC da Transição são, em parte, positivas. Com a proposta, as famílias que ganham de um a dois salários mínimos serão contempladas pelo programa transferência de renda. Isso vai gerar certamente um impacto positivo sobre a atividade econômica e sobre a demanda agregada. Logo, os setores de serviços e de bens de consumo não duráveis também serão impactados”, explanou.
Mesmo que a PEC da Transição provoque uma alta dos juros, Gabriel Maksoud, CEO da Dom Investimentos, vê alguns setores performando um pouco melhor neste cenário, apesar de não acreditar que nenhuma atividade econômica específica “saia ganhando” verdadeiramente.
“Os setores mais prejudicados são aqueles que estão mais ligados à taxa de juros. Então o varejo, o setor imobiliário e o setor de shoppings acabam sofrendo bastante. E sobre setores beneficiados, na verdade, não tem nenhum. No entanto, existem alguns setores que acabam performando um pouco melhor com juros altos, como o setor elétrico e bancário”, afirmou.
De acordo com Hernandez, a PEC da Transição, ao disponibilizar um Bolsa Família de R$ 600, estará beneficiando no curto prazo os setores de consumo. Com mais dinheiro no bolso, a população mais pobre teria uma maior capacidade financeira para gastar em produtos e serviços essenciais, segundo o economista.
“Como estamos falando basicamente de renda disponível para pessoas de baixa renda, os setores de consumo básico, como supermercados, seriam os mais beneficiados com a PEC da Transição. O valor de R$ 600 é um valor expressivo pras pequenas comunidades no Nordeste, lugares menores com uma grande desigualdade econômica”, disse.
Apesar disso, Hernandez reconhece que, caso a PEC resulte em uma inflação mais alta, ocasionando em uma alta da taxa Selic, os bancos serão os grandes beneficiados pela proposta.
“Então basicamente quem se beneficia da PEC são os bancos, que conseguem remunerar o seu patrimônio a um CDI muito mais elevado. Além de bancos, seguradoras, sobretudo, pois são empresas que têm uma necessidade de carregar uma elevada quantidade de patrimônio com liquidez praticamente imediata”, explicou.
Como o mercado vê a PEC da Transição?
Cardozo afirma que o mercado está principalmente de olho no prazo de duração da PEC de Transição. Caso a proposta de um ano, ao invés de quatro, seja concretizada, os investidores ficarão mais aliviados e menos pessimistas.
“Caso o mercado entenda que, mesmo com o furo do teto, o período de um ano seja favorável, a bolsa brasileira deve apresentar boas altas. Isso porque, desde que a PEC começou a ser negociada, o mercado precificou esse cenário bem negativamente, tendo em vista que a proposta inicial do governo de transição era colocar os programas sociais fora do teto de gastos de forma permanente. Uma possível aprovação da PEC com a possibilidade destes programas ficarem fora do teto apenas por um ano será bem recebida”, relatou.
Já na visão de Hernandez, independente das mudanças que forem promovidas posteriormente na PEC, os agentes financeiros não veem a proposta com bons olhos e esperam uma coisa do próximo governo: responsabilidade fiscal.
“O mercado já mostrou basicamente que ele não quer irresponsabilidade fiscal. O mercado quer um governo que seja comprometido com o fiscal e que tenha um projeto de solidez, que contenha o gasto público desnecessário e consiga voltar a patamares de dívida e PIB mais sustentáveis”, explicou.