Política

Congresso quer manter controle de fatia maior do Orçamento, mas estuda mudança em emendas

Hoje existem quatro tipos de emendas: as individuais, as de bancada, as de comissão e as do relator.

No debate para o Orçamento de 2022, líderes do Congresso querem manter o controle sobre mais verba federal em ano de eleição. No entanto, avaliam mudanças em um mecanismo criticado por falta de transparência.

No governo Jair Bolsonaro (sem partido), a engenharia para que congressistas tenham mais espaço no Orçamento ganhou um novo dispositivo. Trata-se das chamadas emendas do relator.

O instrumento permitiu que, desde o ano passado, deputados e senadores com mais poder político –e, geralmente, articulação com o governo– consigam destinar mais dinheiro para obras e projetos nas bases eleitorais.

O TCU (Tribunal de Contas da União) quer mais transparência nos gastos. Para evitar desgaste, governistas defendem mudanças no mecanismo, pelo qual valores bilionários são rateados a depender de acordos políticos firmados.
Uma das hipóteses é distribuir o dinheiro para os outros tipos de emendas, que já eram usuais em governos anteriores, como as de bancada estadual.

Emenda é uma forma usada por deputados e senadores para alterar a programação de despesas do ano para beneficiar regiões e ampliar capital político. O valor total de emendas parlamentares no Orçamento bateu recordes no atual governo.

O salto foi de R$ 11,3 bilhões em 2016 para quase R$ 38 bilhões no ano passado, quando as emendas do relator foram criadas. Em 2021, o montante ficou acima de R$ 35 bilhões.

Hoje existem quatro tipos de emendas: as individuais (que todo deputado e senador tem direito); as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região); as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso); e as do relator (criadas por congressistas influentes a partir de 2020 para beneficiar redutos eleitorais).

A verba do relator é uma moeda de troca mais efetiva para ampliar o apoio do governo no Congresso, uma vez que as emendas individuais são de execução obrigatória.

Nas negociações do Orçamento de 2021, o relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), retirou dinheiro de gastos obrigatórios, como aposentadorias e benefícios sociais, para inflar as emendas que seriam alocadas politicamente.

Cabe, nesse caso, ao relator operacionalizar o plano e ter as emendas atribuídas à função que ocupa. A distribuição da verba, porém, não cabe somente a esse congressista.

Bittar –e aliados do governo– tiveram de recuar neste ano e ceder uma parte do dinheiro de volta para despesas obrigatórias. Sem isso, o Orçamento de 2021, segundo assessores do ministro Paulo Guedes (Economia), ficaria inexequível.

Apesar do desgaste, líderes partidários não querem voltar ao período em que as emendas somavam, por exemplo, R$ 15 bilhões –valor registrado em 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro. Por outro lado, querem uma solução menos conflituosa com órgãos de controle.
“Vai ser um trabalho conjunto do Congresso. Mas posso garantir que o Orçamento será uma peça transparente”, disse o relator do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ).

“Essa saída, que visa corrigir algumas distorções, vai ter de ser construída internamente”, afirmou a presidente da CMO (Comissão Mista de Orçamento), senadora Rose de Freitas (MDB-ES).

As emendas do relator se tornaram alvo de críticas no início do ano pela dificuldade de monitorar a distribuição dos recursos aos congressistas e após boa parte da verba ser destinada a aliados de Bolsonaro.

Na aprovação das contas de 2020 do presidente, o TCU fez uma série de recomendações voltada a melhorar a transparência do mecanismo, acompanhado pelo órgão de controle por meio de ao menos cinco processos após denúncia de irregularidades.

O TCU orientou que o governo dê ampla publicidade aos documentos encaminhados aos órgãos federais que embasaram as demandas parlamentares em 2020 para a distribuição dessas verbas.

O tribunal também recomendou que as emendas do relator passem a ser registradas em plataforma eletrônica com acesso público, com garantia de comparabilidade e rastreabilidade de pedidos e respectiva execução.

Na reunião de instalação da CMO, na quarta-feira (7), o deputado José Guimarães (PT-CE) cobrou uma distribuição mais equilibrada dos recursos.

“Não podemos permitir que sejam imputados a esta comissão os malfeitos que, muitas vezes, comprometem a transparência e a construção coletiva de todos. Se um tem direito, todos terão de ter. Não pode haver privilégios aqui dentro”, afirmou.

Apesar da polêmica, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), defendeu o uso das emendas do relator, logo após a instalação da CMO.
“Eu considero que o Orçamento definido pelo Congresso Nacional tem de ser executado pelo Executivo. Essa rubrica que estabelece que o relator faça esses encaminhamentos a partir da deliberação de quem conviveu na Comissão Mista de Orçamento e sabe das demandas nacionais… Acho que é algo absolutamente normal”, disse Pacheco.

O Congresso já começou a discutir a LDO (lei que dá as diretrizes para o Orçamento) de 2022, mas o Orçamento, que prevê os gastos para o próximo ano, só será apresentado pelo governo em agosto.

ENTENDA O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES

– A cada ano, o governo tem de enviar ao Congresso até o fim de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento federal para o ano seguinte

– Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares

As emendas parlamentares se dividem em:

– Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem de ir para a Saúde

– Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido

– Emendas do relator-geral do Orçamento: as emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre congressistas alinhados ao comando do Congresso e ao governo

CRONOLOGIA

Antes de 2015

A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos congressistas
2015

Por meio da Emenda à Constituição 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:

1. execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior;

2. metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a saúde

3. contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória
2019

– O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a Emenda à Constituição 100, que torna obrigatórias também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)

– Metade desse valor tem de ser destinado a obras

– O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento, R$ 30 bilhões

– Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral
2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:
– Emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões Emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
– Emendas de comissão permanente: R$ 0
– Emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 18,5 bilhões

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