O primeiro ano do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi pautado principalmente na área que gerava uma grande desconfiança em diversos setores: a economia.
O medo da gastança de outros tempos voltou à tona com a eleição do petista. Atento a situação, o governo tratou logo de tentar acalmar os ânimos e buscou uma solução que aliasse os investimentos no social e responsabilidade fiscal. Assim nascia o chamado arcabouço fiscal, que tinha como principal objetivo substituir o teto de gastos criado pelo ex-presidente Michel Temer.
As discussões em torno do projeto duraram todo o primeiro semestre. A proposta só foi tornada em lei em agosto, após a conclusão da votação na Câmara dos Deputados e no Senado.
De acordo com o texto, as regras procuram manter as despesas abaixo das receitas a cada ano e, se houver sobras, elas deverão ser usadas apenas em investimentos, buscando trajetória de sustentabilidade da dívida pública.
Assim, a cada ano haverá limites da despesa primária reajustados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e também por um percentual do quanto cresceu a receita primária descontada a inflação.
Em paralelo, a equipe econômica capitaneada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trabalhava pelo avanço da reforma tributária no Congresso Nacional. O projeto estava empacado há cerca de 30 anos.
Após muita discussão nas duas Casas e alterações significativas no texto original, a proposta foi promulgada em sessão conjunta na Câmara na semana passada, com a participação de Lula e parte de seus ministros.
A reforma vai simplificar os tributos sobre o consumo no Brasil. Em resumo, a medida unifica impostos sobre o consumo em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O IVA será dual: um para os impostos estaduais, outro para os federais.
As aprovações do arcabouço e da reforma foram cruciais para os planos do governo nos próximos anos e ganharam destaque no noticiário. Porém, não menos importante, foram as aprovações de medidas que tinham como objetivo aumentar a arrecadação da União.
Não foram poucos os projetos aprovados neste sentido. A retomada do voto de qualidade do governo no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Federais) puxou o filão, que se seguiu com a lei sobre taxação de fundos exclusivos e offshores, assim como a cobrança das bets e por fim a MP das subvenções. As estimativas iniciais é de que juntas, as medidas possam aumentar a arrecadação do governo em mais de R$ 100 bilhões já em 2024.
Custo político
As vitórias consideráveis ao longo de 2023, vieram com um alto custo. Eleito sem uma base sólida na Câmara dos Deputados, o governo precisou ceder espaços para ter os projetos aprovados.
Mudanças não previstas na equipe ministerial de Lula são prova disso. Celso Sabino (União) substituiu a correligionária Daniela Carneiro no Ministério do Turismo. Ana Moser (Sem Partido) e Márcio França (PSB) saíram do Esporte e Portos e Aeroportos para darem lugar a André Fufuca (PP) e Silvio Costa Filho (Republicanos), respectivamente.
“O grande trunfo brasileiro é estar realizando reformas em tempo recorde, a um altíssimo custo político”, avalia o economista, Ricardo Tadeu Martins. “Muito ao final de 2023, capitaneado por Arthur Lira, presidente da Câmara, e ‘exigências parlamentares outras’, foram aprovados todos os projetos de lei arrecadatórios, LOA e a histórica reforma tributária”, acrescentou.
O economista e líder do Mercado de Capitais do Grupo Crowe Macro, Ricardo Rodil, acredita que os embates políticos devem continuar no ano que vem.
“Os desafios para 2024 vêm de diversos ângulos, mas seu impacto vai ser sempre na economia. E há um ponto em comum em todos eles: a maioria passa pela relação com o Congresso e essa relação, além de ser acirrada em ano eleitoral (mesmo sendo em âmbito municipal), tem gerado incômodos políticos do presidente com o seu partido. Eu não acredito que o PT possa se ‘rebelar’ contra sua principal liderança, mas pode haver movimentos internos que a aliada principal do presidente (Gleisi Hoffman) não consiga abafar. Só a passagem do tempo para saber onde e como tudo isso vai desaguar”, projetou.
Ao jornal Folha de S.Paulo, parlamentares disseram que, apesar das queixas, há um consenso entre os líderes, inclusive do centrão, de que o governo teve êxito na pauta econômica em 2023.
Projeções
O cenário macroeconômico dá sinais que 2024 será mais positivo para o Brasil. “2024 desempenhará melhor, embora desacelerando o PIB pela agricultura e se o Copom der fôlego a atividade com cortes agressivos da taxa de juros na condução de sua política monetária contracionista. A boa sequência dos IPCA’s, com novembro, é animadora, associado ao cenário externo “menos adverso”, um FED preocupado “dovish” e inflação subjacente convergindo a meta”, analisa Martins.
Já Rodil reforça que será o ano em que o arcabouço será posto à prova. “O arcabouço vai estar em pleno vigor e as pressões para aumentar os gastos estão aí. Na minha opinião, é esta área onde o governo arrisca dar um ‘sinal errado’ aos investidores. As pressões dos parlamentares para beneficiar seus redutos eleitorais vão ser enormes. Acredito que nem o chamado Centrão vai poupar o Executivo.
O economista do Grupo Crowe Macro, atenta para uma área que pode trazer dor de cabeça ao governo. Segundo ele, existe um temor que o governo crie um ambiente de desregulamentação das agências regulatórias.
“Vejo com preocupação a tendência do Executivo de, em certa medida, ‘rifar’ esta característica fundamental dessas agências, forçando-as a abrigar protegidos políticos que, o público suspeita, possam vir a deturpar as funções dessas agências e até, no limite dos limites, causar algum clamor pela reestatização de atividades”.
“A tendência de ‘voltar ao passado’, especialmente no que concerne à reforma trabalhista e muito em função de pressões vindas do setor sindical, pode significar um grande retrocesso, que afetaria a segurança jurídica. Em um país onde a poupança interna não consegue cobrir as enormes necessidades de investimentos, em especial em infraestrutura, manter um fluxo de investimento externo é primordial. Qualquer aventura que o governo encarar cedendo a pressões sindicais poderá significar um enorme passo atrás nas condições de atrair esses investidores”, finalizou.