A recém nomeação de Fernando Haddad (PT) para o Ministério da Fazenda tem causado um alvoroço no mercado financeiro brasileiro. No aguardo por um nome mais técnico e de renome na pasta econômica, os investidores não ficaram satisfeitos com a escolha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Sem ter um extenso currículo relacionado à área econômica, Haddad, antes de ser nomeado, já tinha dado algumas declarações polêmicas nas últimas semanas. Em 25 de novembro, durante uma palestra na Febraban (Federação Brasileira de Bancos), o ex-presidenciável questionou a instrumentalidade do teto de gastos, afirmando que a medida não foi capaz de frear a piora nas despesas públicas.
“O mercado olhou com certo ceticismo a escolha do nome de Haddad para o cargo de ministro da Fazenda, uma das pastas mais importantes e estratégicas do governo. Tal escolha fez com que o mercado precificasse a bolsa mediante perspectivas menos otimistas para a economia futura do País, já que o nome não possui origem técnica e sim política”, explicou Sidney Lima, analista da Top Gain.
Agora com Haddad na Fazenda, o mercado espera ansiosamente pelo anúncio de seus secretários. De acordo com analistas consultados pelo BP Money, o petista pode acabar optando pela nomeação de secretários liberais para se desvencilhar da imagem de ministro “gastador”.
Haddad poderá nomear liberais para cargos na Fazenda
Formado em Direito, Haddad se aprofundou sobre os estudos da área econômica ao ingressar no mestrado da USP no fim da década de 1980. Na época, Haddad fez parte de uma turma dominada por liberais, como Alexandre Schwartsman e Samuel Pessoa. O ex-prefeito também alimenta proximidade com Pérsio Arida, outro economista liberal.
De acordo com analistas, Haddad, por sua proximidade com especialistas de outras vertentes econômicas, poderá nomear liberais para secretarias estratégicas da Fazenda para dialogar com os agentes financeiros e afastar aquela expectativa de que o governo do Lula seja “gastador”.
“Existe uma grande possibilidade de que os secretários do Haddad sejam mais liberais e mais técnicos. Vamos lembrar que, apesar do Haddad ter um perfil político, ele tem uma biografia técnica, pois estudou bastante, tem mestrado, doutorado, e é professor”, afirmou Ricardo Mello, economista e especialista em gestão de negócios.
Mello ainda relembrou os tempos em que Haddad foi prefeito de São Paulo, quando o político renegociou a dívida do município com o governo federal, com o saldo sendo reduzido de R$ 64,8 bilhões para R$ 28 bilhões.
“Quando ele foi prefeito da cidade de São Paulo, ele também optou por um perfil bem técnico em algumas das secretarias, em especial as secretarias das finanças, cujo secretário escolhido foi Marcos Cruz, um perfil muito técnico”, relatou.
José Augusto Gaspar Ruas, economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da FACAMP, acredita que Haddad irá optar pela montagem de uma equipe econômica mais “plural”, visando conversar tanto com a base que elegeu Lula quanto com o mercado.
“O Haddad anunciou previamente que irá montar uma equipe plural, que deve chamar economistas de diferentes vertentes, mas que têm a capacidade de conversar entre si. O que chamamos de mercado, na verdade, são alguns agentes econômicos que têm o poder de tomar decisões sobre os juros de longo prazo e pressionam por algumas medidas que acharem necessárias. O Haddad deve adotar uma equipe plural, que dê a ele alguma margem de negociação com diferentes agentes, mas que ele possa ter diálogo com a base que elegeu Lula”, explicou.
Apesar da pluralidade, Ruas não crê que Haddad vá escolher uma equipe predominantemente liberal, pois ele estaria desconversando com a base petista.
“Não acredita que ele deva cometer o equívoco que a Dilma cometeu em seu segundo mandato, quando ela adotou uma equipe liberal e ortodoxa logo após ter sido eleita por uma coalizão de centro-esquerda. Eu vejo que tanto Lula quanto Haddad irão nomear nomes que dialogam com a base de centro-esquerda, mas também farão nomeações que vão dar capacidade de negociação com vozes mais conservadoras”, complementou.
Futuros secretários de Haddad não animam o mercado
Até 14 de dezembro, Haddad já havia nomeado o ex-banqueiro Gabriel Galípolo como secretário-executivo e o economista Bernard Appy como secretário especial para a reforma tributária. De acordo com Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil, o mercado viu essas escolhas de forma positiva, pois ambos possuem uma visão mais liberal.
“Os investidores viram essas nomeações com bons olhos de modo geral, Galípolo, ex-banco Fator, inspira muita confiança por ter vindo do mercado financeiro e ter uma visão mais liberal, focada no crescimento econômico. Appy pode ajudar bastante na reforma tributária, que deve ajudar a flexibilizar e aumentar a receita para que o Estado consiga fazer a expansão fiscal almejada”, disse.
Apesar das nomeações, Alves acredita que o mercado ainda vê o governo Lula com “maus olhos” por conta das recentes ações petistas. Em 13 de dezembro, Lula anunciou Aloizio Mercadante como novo presidente do BNDES. No mesmo dia, a Câmara dos Deputados optou por alterar a Lei das Estatais, que impedia nomeações políticas em empresas estatais. Ambos os eventos foram vistos negativamente pelos investidores.
“O passado recente e as ações atuais do governo Lula estão indo contra o que o mercado acredita. Prova disso é o quanto a bolsa brasileira caiu desde que Lula anunciou as medidas para a Fazenda, Planejamento, BNDES, lei das estatais e fim do teto de gastos. É pouco provável que esse cenário mude no curto prazo”, relatou.
Segundo Caio Mastrodomênico, analista político e econômico, as declarações e as ações recentes de Lula impedem que os investidores mudem sua visão a respeito do próximo governo petista. O analista acredita que, mesmo o Haddad sendo o mais liberal dos petistas, ele não terá autonomia suficiente para montar sua equipe ministerial.
“O Lula já deixou bem claro que ele não conversa com a direita. Mesmo com o Haddad tendo um cunho mais liberal dentro da ala petista, não podemos contar que ele tenha autonomia para fazer nomeações mais técnicas, pois o PT está fazendo nomeações políticas e não técnicas. Então, ao que tudo indica, as indicações do PT serão para acomodar partidos políticos, tanto os companheiros do PT quanto os partidos que irão fazer parte da base”, explicou.
As secretarias da Fazenda serão essenciais no governo Lula
Na visão de Mello, os próximos dois anos serão turbulentos para a economia brasileira, pois o País enfrenta um cenário de inflação alta e juros altos. Com isso, o analista acredita que as secretarias da Fazenda serão ainda mais fundamentais durante o governo Lula.
“As secretarias serão fundamentais, pois, no final das contas, elas vão tocar os grandes assuntos. A economia terá uma importância ainda maior em 2023 e 2024 porque o Brasil está vindo de um momento muito desafiador, com inflação alta e juros altos. Por conta disso, o mercado tem cobrado tanto que o secretariado tenha um perfil técnico, liberal e ortodoxo”, afirmou.
Alves partilha da visão de Mello, apesar de não saber se as secretarias terão carta branca para agir livremente, além de serem poupadas dos interesses estatais.
“Serão relevantes para uma tomada de decisão mais lúcida, mais fundamentada nos dados e indicadores, tudo o que o governo precisa para fazer uma gestão ativa e focada em resultados. Resta saber se as secretarias terão carta branca para atuar com todo o seu potencial, ou se serão poupadas pelo viés político”, explanou.