Tatiane Aparecida Peroni, executiva de vendas, conseguiu contratar um convênio da Hapvida NotreDame para a mãe, Matildes Ramos, em 2023. O plano de saúde era o sonho da idosa, porém, o que ambas não imaginavam é que a dona de casa morreria após ter uma cirurgia de emergência negada na própria rede hospitalar do convênio.
Dona Matildes tinha uma decisão judicial favorável que a Hapvida NotreDame descumpriu. De acordo com apuração do Estadão, o grupo vem descumprindo sistematicamente decisões judiciais e negando tratamento a pacientes com doenças graves, como câncer, mesmo que eles tenham acesso a terapias garantidos por ordem judicial.
Esse comportamento se intensificou no decorrer do últimos meses e tem causado irritação ao poder judiciário, segundo o jornal. Agora, a Hapvida NotreDame é alvo de investigações no Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP).
O caso de descumprimento pela Hapvida NotreDame
O caso de dona Matildes foi um dos descumprimentos à ordem judicial tomada pela Hapvida NotreDame. Em 10 de outubro de 2023, a dona de casa morreu de infecção generalizada e colangite (inflamação dos canais biliares), em um hospital da operadora em Ribeirão Preto, interior paulista.
Matildes esperou por mais de 1 mês pela realização de uma cirurgia de remoção de vesícula, avaliada como urgente. Em resposta sobre o caso, a Hapvida NotreDame disse que prestou atendimento à paciente.
Nos documentos apresentados pela família de Matildes, a indicação da cirurgia foi feita por um médico em 31 de agosto, após a dona de casa procurar o consultório com dores abdominais, pele e olhos amarelados. Ela passou por exames que indicaram a necessidade de retirada da vesícula.
A família tentou autorização para a cirurgia junto à operadora, com o encaminhamento do especialista em mãos, mas recebeu uma negativa de cobertura pelo plano, que alegou que o contrato ainda estava em período de carência.
Pela gravidade do caso, Matildes iniciou um pedido de liminar na Justiça e em 12 de setembro recebeu decisão favorável. No documento, o Juiz obrigava a Hapvida NotreDame a realizar a operação no período de 3 dias e fixou multa de R$ 500 por dia de descumprimento.
Segundo a filha de Matildes, Tatiane, a rede ignorou a decisão do juiz. “não cumpriram e nem deram satisfação, Enquanto isso, eu vendo minha mãe piorando “, disse ela. A executiva de vendas disse ter tentado de tudo durante o período de espera: abriu queixa no site Reclame Aqui, tentou contato pelos canais de comunicação da Hapvida NotreDame, porém não foi atendida.
“Eu procurei até os diretores da Hapvida no Linkedin, mandava mensagem, estava desesperada, mas nunca tive retorno”, conta.
As tentativas da família
Lidiane Gualtieri, advogada da família, disse que após a primeira decisão judicial, a operadora permaneceu inerte e, quando contestada, alegou que não cumpriria a decisão sob argumento de que a paciente tinha doença pré-existente – o juiz já havia refutado a tese.
O magistrado aumentou o valor da multa para R$ 2 mil por dia de descumprimento, em 22 de setembro, ao saber da desobediência do Hapvida NotreDame. Ele ainda determinou cumprimento da ordem com urgência, porém, mais uma vez, o convênio ignorou a decisão.
Matildes precisou ir à procura do pronto-socorro da operadora, em 25 de setembro, com o quadro já agravado. “Quando chegou lá, ela foi internada e tentaram a todo custo fazer meu irmão assinar um termo em que ele se responsabilizaria pelos custos da cirurgia”, conta Tatiane.
A responsabilidade de custeio do procedimento era da operadora, por isso, a família se negou a assinar o termo e informou o fato ao juiz. Em 26 de setembro, mais uma vez a multa diária da empresa foi aumentada de R$ 50 mil para R$ 100 mil, determinação feita pelo magistrado Francisco Camara Marques.
“A autora é idosa e vem passando por agruras e intenso sofrimento como decorrência da conduta da operadora, a qual descumpre a prescrição do seu próprio médico. […] (A Hapvida) Também vem fazendo ouvidos moucos à decisão da Justiça, fato este que vem se tornando corriqueiro por esta ré”, escreveu o juiz no despacho.
Ainda assim o Hapvida NotreDame não realizou a cirurgia da paciente, mas informou a família que faria um procedimento para colocação de prótese nas vias biliares para desobstrução dos canais. Além disso, a equipe médica disse que precisava investigar uma suspeita de câncer e a cirurgia persistiu sendo prolongada.
“Depois de colocarem essas próteses, liberaram ela no dia seguinte para casa, sem anti-inflamatório ou antibiótico”, conta Tatiane.
No dia 9 de outubro, uma semana depois, Matildes começou a ter vômitos, calafrios, ficou mais fraca e a família retornou com ela ao pronto-socorro, porém era tarde demais. “Ela chegou lá e os médicos diagnosticaram uma infecção generalizada, a levaram para a UTI, mas, no dia seguinte, ela faleceu”, diz Tatiane.
A idosa faleceu após 28 dias de descumprimento da decisão judicial pelo Hapvida NotreDame. “Minha mãe era cheia de vida, mas eu a vi definhando aos poucos sem saber a quem recorrer. Esse plano de saúde destruiu a vida dela e a da família também”, completou Tatiane.