Política

Quais setores podem ser prejudicados no governo Lula?

Analistas apontam que estatais, frigoríficos e empresas de tecnologia podem ser os mais afeados

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito presidente do Brasil em 30 de outubro, na eleição mais disputada da história brasileira, derrotando o atual mandatário Jair Bolsonaro (PL). Apesar de ser reconhecido historicamente como uma figura importante da esquerda brasileira, os investidores parecem estar positivos com o futuro mandato do petista. Um dia após a vitória de Lula, 82 dos 92 papéis listados no Ibovespa apresentaram valorização.

Apesar do avanço de inúmeras ações, as estatais sangraram na segunda-feira (31) após pleito presidencial. Banco do Brasil (BBAS3) e Petrobras (PETR3;PETR4) lideraram as maiores baixas do dia, apresentando quedas acima de 5%. De acordo com analistas consultados pelo BP Money, o governo de Lula poderá promover inúmeras intervenções nas estatais, prejudicando o desempenho dessas companhias pelos próximos quatro anos. Além disso, outros setores da economia poderão ser atrapalhados nos próximos quatro anos.

Ações das estatais podem ser as mais prejudicadas no governo Lula

Durante sua campanha, Lula deu diversas declarações polêmicas sobre as estatais brasileiras. O petista já defendeu que os bancos públicos diminuíssem suas margens de lucro, ressaltando a necessidade de enquadrar o Banco do Brasil. Sobre a Petrobras, por exemplo, o recém eleito presidente afirmou querer o fim do PPI (Preço de Paridade de Importação), política de preços adotada pela petroleira.

Segundo analistas consultados pelo BP Money, o partido de Lula já demonstrou posturas intervencionistas, podendo realizar nomeações políticas de cargos estratégicos em estatais importantes. Recentemente, o senador do Rio Grande do Norte, Jean-Paul Prates (PT), foi especulado como futuro presidente da petroleira.

“Devemos ver tentativas de intervenção mais frequentes e principalmente indicações de gestores políticos e não técnicos, afinal o bloco político eleito era o maior e sabemos que haverá entrega de cargos para acomodação dos apoiadores”, afirmou Caio Canez de Castro, especialista em investimentos da GT Capital.

“Definitivamente o setor que mais será impactado é o das estatais, com as políticas públicas de gestão com foco na acessibilidade dos produtos e serviços prestados por elas, e pouco foco na rentabilidade dessas empresas”, completou Castro.

Na visão de Ricardo Julio Rodil, sócio líder de Capital Markets, o fato de Lula não ser um liberal pode prejudicar as estatais pelos próximos quatro anos. Em momento algum de sua campanha, o petista demonstrou interesse ou intenção de desestatizar grandes companhias pertencentes ao Estado brasileiro.

“A estatais são quase sempre prejudicadas, qualquer que seja o posicionamento do governo. Um governo realmente liberal poderia ser benéfico, especialmente na linha de desestatização ou venda de posições majoritárias. Haverá sim interferência política. O PT já se mostrou decididamente intervencionista nesta linha”, disse.

Empresas de tecnologia podem sofrer com irresponsabilidade fiscal

A equipe de Lula tenta aprovar a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, que irá abrir espaço no Orçamento de 2023 e permitirá despesas fora do teto de gastos (regra que limita o crescimento dos dispêndios públicos). Dentre as medidas incluídas na PEC estão o aumento real do salário mínimo (de 1,3% a 1,4%) e manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600. Segundo contas internas da equipe do petista, o valor estimado para todos esses gastos deve ficar em torno de R$ 200 bilhões.

De acordo com Castro, uma possível falta de compromisso fiscal no governo Lula irá impactar negativamente as ações das empresas de tecnologia brasileiras. Além disso, o analista reitera que uma provável manutenção da taxa básica de juros brasileira, a Selic, em 2023 poderá contribuir com esse cenário negativo.

“Essas empresas brasileiras de tecnologia deverão sofrer com a manutenção de uma taxa de juros mais alta e por mais tempo, principalmente se não houver um compromisso fiscal do governo Lula. Essas empresas já estão muito afetadas e a manutenção da taxa alta deverá criar cenários de fusões e vendas, o que vai mexer muito no setor”, relatou.

Para bancar a PEC da Transição, é esperado que o governo lulista tome algumas medidas fiscais, como a taxação de dividendos e alta da carga tributária para os mais ricos. De acordo com Rodil, tal cenário poderá prejudicar os desempenhos destas empresas de tecnologia pelos próximos quatro anos.

“Estas empresas estão em franca expansão no mundo inteiro. Pesquisa recente estima em US$ 2 trilhões o mercado mundial somente na área de segurança cibernética. Este nicho poderá ser prejudicado por aumentos de impostos, pela taxação de lucros e dividendos e por eventual “fuga de cérebros”. Seguramente, muitas startups deste setor poderão não ser bem-sucedidas”, afirmou.

Em contrapartida, Rafael Longo, professor de Economia e Finanças da Facamp, pensa que essas empresas irão se beneficiar com o mandato de Lula, que já deu declarações a favor da economia digital.

“Eu acredito que as empresas de tecnologia vão se aproveitar bastante de um novo governo Lula. As nossas maiores startups são da área de tecnologia como é no mundo todo. E o modelo de negócios dessas empresas está focado em solucionar problemas de seus clientes. Se o Lula conseguir aumentar a renda da população como um todo, teremos um enorme potencial de clientes para comprar dessas empresas de tecnologia”, explicou.

Transição de governo e impostos podem prejudicar frigoríficos

Na semana após a eleição de Lula, o dólar se desvalorizou frente ao real, beirando os R$ 5,00. Tal cenário reflete o fim da incerteza quanto ao futuro político do Brasil, com o próximo presidente definido. Com a eleição de Lula, os investidores sabem qual será o caminho trilhado pelo País nos próximos quatro anos, aumentando o fluxo de capital.

Para Castro, tal desvalorização do dólar irá prejudicar as empresas frigoríficas, visto que esse nicho é dependente de exportações. Contudo, o analista reitera que recentes sinalizações do governo chinês ao Brasil podem representar uma luz para este setor.

“Desde o início da semana (pós-eleição de Lula), o real vem ganhando força e não vejo fator que mude isso no curto prazo. Por serem exportadoras, as empresas frigoríficas terão as receitas afetadas. Porém com as recentes declarações do governo Chinês, que é o principal importador da proteína brasileira, reforçando o bom relacionamento que tem com Lula, há boas perspectivas para que a exportação possa crescer nos próximos anos”, disse. 

Tal como as empresas de tecnologia, as companhias frigoríficas podem ser atrapalhadas pela PEC da Transição, que poderá promover medidas fiscais, como a taxação de dividendos e alta da carga tributária, segundo Rodil.

Estas empresas frigoríficas estão em franca expansão no Brasil, mas elas têm seus ciclos específicos. Ao longo de décadas, frigoríficos aparentemente sólidos vieram a ter problemas. Na Argentina, tradicional campeão mundial em qualidade de carne bovina, já viu frigoríficos seculares sumirem do mapa. Estas indústrias poderão ser prejudicadas por aumentos de impostos, pela taxação de lucros e dividendos ou, se copiarem o modelo argentino, por impostos à exportação, chamados de retenções naquele país”, explicou.

Para Longo, as empresas frigoríficas talvez tenham que se adequar pelos próximos quatro anos. Caso as nações importadoras de carne brasileira pressionem estas companhias a serem mais sustentáveis, JBS e semelhantes terão dificuldades em contornar esse cenário.

“As empresas frigoríficas como qualquer outra empresa tem que ter uma governança voltada à solução de problemas clientes. Se os nossos clientes de proteína animal no mundo começarem a pressionar nossos produtores a serem mais sustentáveis e se desvincularem da produção em áreas de desmatamento, nossas empresas frigoríficas terão que se adaptar para não perderem mercados internacionais importantes”, afirmou.

“No seu discurso de vitória, Lula disse que algumas atividades econômicas serão combatidas por serem ilegais. Ele vai prejudicar, sem dúvida, o garimpo, a mineração, a extração de madeira e as atividades agropecuárias que estiverem contribuindo com a destruição de qualquer um dos nossos biomas, especialmente da Amazônia”, completou o professor da Facamp.