Reprodução:  Radio Senado/IStock
Reprodução: Radio Senado/IStock

A tentativa de reaproximação comercial entre EUA e China, após meses de atritos sobre tarifas e restrições a exportações de minerais críticos, trouxe à tona um novo ponto de tensão global. 

Embora o diálogo entre as duas potências sinalize um alívio diplomático, as medidas recentes sobre terras raras, semicondutores e outros insumos estratégicos reacenderam preocupações quanto à dependência de cadeias produtivas altamente concentradas, e seus efeitos econômicos e jurídicos em todo o mundo.

Esses materiais, essenciais para a fabricação de chips, baterias, veículos elétricos e equipamentos de defesa, são considerados estratégicos tanto para o avanço tecnológico quanto para a segurança nacional.

O controle sobre sua extração e exportação tornou-se uma ferramenta de poder econômico, capaz de alterar contratos, preços e investimentos globais.

Nesse cenário, Murilo Borges, mestre em Direito Internacional e Direito Comparado pela USP e advogado da MBW Advocacia, avalia que as novas tarifas e controles comerciais podem atingir diretamente os contratos internacionais de fornecimento de insumos estratégicos, além de acordos de distribuição e joint ventures industriais nos setores de tecnologia e energia.

“Os minerais críticos são recursos essenciais, mas de oferta concentrada e vulnerável a contextos geopolíticos instáveis. Por isso, qualquer mudança política ou restrição de exportação tende a provocar efeitos em cascata nos contratos internacionais”, explica Borges.

Cláusulas sob teste: força maior e hardship

De acordo com o advogado, medidas repentinas como um aumento tarifário súbito ou bloqueio de exportações, podem levar empresas a acionar cláusulas de força maior ou hardship.

A primeira é aplicável quando o evento é imprevisível e inevitável, tornando impossível o cumprimento do contrato. Já a cláusula de hardship se aplica quando há onerosidade excessiva, permitindo renegociação de prazos e preços para restabelecer o equilíbrio econômico entre as partes.

“Esses instrumentos são reconhecidos em normas internacionais como a CISG e os Princípios UNIDROIT, que funcionam como referência interpretativa para contratos internacionais. O objetivo é preservar a boa-fé e evitar litígios desnecessários”, explica Borges.

As mudanças nas políticas comerciais entre EUA e China também devem ampliar o risco de disputas jurídicas, tanto na esfera privada quanto pública.

“Há grande probabilidade de arbitragens comerciais por alegações de descumprimento contratual e de contenciosos interestatais na OMC, caso tarifas e restrições sejam consideradas incompatíveis com o GATT ou tratados correlatos”, afirma Borges.

Além disso, investidores estrangeiros podem recorrer a mecanismos de solução de controvérsias (ISDS) previstos em tratados bilaterais, se entenderem que sofreram perdas por medidas governamentais unilaterais.

Como as empresas brasileiras podem se proteger

Empresas brasileiras que dependem de insumos tecnológicos ou matérias-primas desses mercados também precisam reforçar seus mecanismos de proteção.

Segundo Borges, a principal medida é a revisão contratual, com inclusão de cláusulas de hardship, mecanismos de reajuste de preço, prazos flexíveis e previsões expressas de continuidade de fornecimento.

Ele recomenda ainda due diligence regulatória permanente sobre cadeias de suprimentos e programas de compliance voltados a controles de exportação e embargos internacionais.

“Falhas nesse tipo de controle podem gerar sanções severas e até perda de acesso a fornecedores estratégicos”, alerta o advogado.

A diversificação geográfica de fornecedores e a formação de estoques estratégicos também são essenciais, sobretudo porque regulações extraterritoriais, como os EAR (Export Administration Regulations) dos EUA, podem atingir empresas fora do país.

“Mesmo produtos chineses podem ser bloqueados se tiverem componentes com tecnologia americana”, exemplifica.

Brasil na disputa: risco e oportunidade

Apesar do cenário desafiador, Borges vê uma janela de oportunidade para o Brasil se consolidar como alternativa estável na cadeia global de minerais críticos.

“O país é rico em lítio, nióbio, grafite e terras raras, e pode atrair investimentos significativos se oferecer segurança jurídica e previsibilidade regulatória”, avalia.

A adoção de um marco regulatório claro para mineração, combinada a acordos de cooperação tecnológica e incentivos à industrialização local, pode fortalecer a posição brasileira nas cadeias de valor de alto valor agregado, como baterias, semicondutores e componentes eletrônicos.

“Com infraestrutura adequada e política estável, o Brasil pode se tornar um elo estratégico na diversificação das cadeias globais, reduzindo riscos sistêmicos e ampliando sua relevância geoeconômica”, conclui Borges.