O último Boletim Focus de 2022 foi publicado nesta segunda-feira (26) e as projeções, apesar de terem melhorado no curto prazo, pioraram para 2023 e 2024. Selic e IPCA ganharam estimativas de alta para 2023, enquanto que, para este final de ano, o índice de inflação diminuiu. Segundo especialistas, a piora nas estimativas para 2023 reflete as incertezas do cenário político-econômico, com os discursos que abrem espaço para a possibilidade de um governo mais “gastão” do que o atual.
Segundo Virginia Prestes, professora de finanças da FAAP, com relação à alta da perspectiva para o IPCA em 2023, o mercado tem uma expectativa mais elevada, porque o novo governo, desde o fim das eleições, tem utilizado o discurso de um “menor compromisso fiscal”.
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“Se o governo gasta mais, naturalmente temos uma pressão mais elevada nos custos de produtos e serviços, então ainda não é algo super expressivo [a mudança nas perspectivas para a Selic 2023], se a gente for ver em relação ao último mês, mas o mercado já está de olho nisso. Esse fator tende a pressionar a inflação”, disse Prestes.
As expectativas de mercado publicadas pelo Focus em relação a 2023, há quatro semanas, eram de um IPCA de 5,02% no ano que vem. O número mudou, na semana passada, para 5,17%. Agora, a expectativa para o IPCA é de 5,23% em 2023.
Para Enrico Cozzolino, head de análise e sócio da Levante Investimentos, se olharmos o IPCA de dezembro, existe uma melhora de “curtíssimo prazo”, com a inflação passando de 0,60% para 0,48%. Por outro lado, para o ano que vem, os indicadores já demonstram piora, nas estimativas, para os agentes de mercado.
“A queda do IPCA em dezembro é o copo meio cheio, mas quando a gente olha a perspectiva para inflação para os próximos 12 meses, existe uma piora. Aí vemos alguns fatores para explicar isso. Déficit constando ali no Focus de 2022 passa de US$ 46 bilhões de dólares para US$ 52 bilhões. O mercado então vê uma piora nesse sentido de gastos do governo, problema com recessão, necessidades ou não de estímulos, isso parece piorar as estimativas econômicas”, disse Cozzolino.
“Por outro lado, quando olhamos superávit e balança comercial, a gente vê um aumento. Há um mês atrás era na casa de US$ 55 bilhões, agora estamos beirando US$ 57 bilhões. Quando olhamos para 2023, esse quadro se inverte, então há uma redução também pensando nesse aumento de gastos”, completou Cozzolino.
Para Virginia Prestes, da FAAP, é possível enxergar a apreensão do mercado nos últimos números do Boletim Focus, justamente na previsão de alta ou manutenção no patamar atual da Selic.
“Isso tudo reflete um ambiente de maior aversão a risco, que a gente inclusive viu com mais intensidade logo que o Lula começou a dar as declarações que demonstraram um menor compromisso fiscal. Depois que o Haddad disse que o governo vai ter uma certa linha, que não exatamente o teto de gastos atual, mas que ele vai adotar uma linha de compromisso fiscal, o mercado se acalmou um pouco”, reiterou Prestes.
A especialista citou que, na semana passada, o mercado teve dias mais tranquilos na bolsa de valores, com fechamento de curva de juros, com alta das ações de empresas de diversos setores. De todo modo, a perspectiva de alta na Selic para 2023 mostra essa certa apreensão do mercado com o novo governo.
“O próprio BC, que antes dava indícios que poderia cortar juros mais rápido, também colocou um compasso de espera para aguardar os passos do novo governo com relação ao âmbito fiscal e acho que teremos uma definição melhor assim que o novo governo assumir e soubermos como será a condução por parte do Ministério da Fazenda”, afirmou Prestes.
A taxa Selic, estimada pelo Focus para 2023, saiu de 11,50%, há quatro semanas, para 11,75% há uma semana e 12% neste último documento divulgado pelo BC.
Incertezas sobre novo governo cercam expectativas sobre a economia
Os discursos do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e da sua equipe de transição, apontando para mais gastos no orçamento nos próximos anos, fizeram o mercado financeiro ter uma maior volatilidade nas últimas semanas. Com isso, a trajetória da curva de juros no Brasil também foi elevada e os agentes de mercado passaram a projetar alta adicional na taxa Selic.
Para Marcelo Ferreira, economista e professor, a mudança no quadro político é o fator determinante para as últimas movimentações do mercado.
“Temos um fator complexo de política fiscal, já que o novo governo, certamente, tentará reduzir a Selic por conta de seu compromisso moral de diminuir a atratividade do rentismo, mas por outro lado ainda enfrenta a possibilidade de uma alta inflacionária, já que deveremos ter aumentos dos preços dos combustíveis, em função do fim de algumas isenções tributárias e também porque o ICMS também deverá aumentar em alguns estados”, explicou Ferreira.
Ferreira também destaca que haverá um aumento do déficit fiscal, e isso demandará ajustes de gastos ou até a criação de novos impostos, que também reduzirão a capacidade de consumo e poupança da população.
“Temos um conjunto de fatores que levam a perspectiva mais conservadora e consequentemente uma visão menos favorável do futuro econômico do País, e isso pode provocar retração do consumo, retração dos investimentos e levar o Brasil a uma espiral negativa com um círculo vicioso na economia”, concluiu o economista.