Lembro-me da minha primeira visita ao Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul. A primeira sensação foi de espanto. Eu não tinha noção da magnitude e do desenvolvimento local. Questionei-me o motivo de não estarmos falando mais da região, estimulando o enoturismo brasileiro nas grandes metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo.
Meu questionamento se dá principalmente porque tenho dificuldade em justificar, como amante de vinho, uma viagem para Mendoza antes de uma ao Sul do Brasil. A meu ver, é semelhante a visitar o Caribe antes de visitar o Nordeste. Nada contra nenhuma das regiões citadas, mas, além de ser nosso país, o Brasil é bonito demais.
O exposto acima representa parte do problema. Como o dramaturgo e brilhante escritor Nelson Rodrigues colocou na década de 50, sofremos de um complexo de vira-lata que nos atrapalha, apesar dos nossos “dons em excesso”, nas palavras do autor. Digo isso porque a riqueza agrícola do Brasil é simplesmente incomparável.
Desde queijos e mel até a inegável excelência na produção de café mundial, a indústria vitivinícola brasileira tem se desenvolvido e ganhado reconhecimento internacional nas últimas décadas. Não obstante, a grande pergunta que mais recebo é: Existem vinhos verdadeiramente bons no Brasil? A resposta curta é categoricamente afirmativa.
Apesar de a elite do vinho mundial estar indiscutivelmente do outro lado do Atlântico, em países chamados de “velho mundo”, como França, Itália, Portugal, Espanha, Alemanha e outros, gostaria de propor uma tese pouco convencional para a possível disseminação e sucesso dos vinhos brasileiros além das nossas fronteiras.
Além das condições climáticas favoráveis em algumas regiões para o cultivo de uvas viníferas, o clima subtropical, combinado com a altitude e a influência das correntes de ar frio do oceano, cria um ambiente propício para o cultivo de algumas variedades de uva. Além disso, o conhecimento técnico dos produtores brasileiros também têm contribuído para a melhoria da qualidade dos vinhos.
O investimento em técnicas modernas de vinificação, aprimoramento dos processos de produção e utilização de equipamentos avançados são alguns dos motivos. Além disso, a seleção de clones de uvas de alta qualidade e a adoção de práticas sustentáveis têm sido priorizadas.
Acredito que poucos consumidores lembram que a produção de vinho é uma atividade anual. Em caso de fracasso na safra, o produtor precisa aprender com os erros, rezar para a natureza ajudar e tentar melhorar no ano seguinte. Por obséquio, isso gera uma melhora gradual e uma vantagem marginal em relação ao velho mundo, visto que nós fazemos vinhos há menos de um século, enquanto o outro lado do Oceano possui registros datando quase 7000 anos. Não me parece uma briga muito justa.
A outra alternativa é para salvar uma safra danificada ou até “melhorar” uma saudável, como inúmeros produtores de larga escala fazem, é manipular o vinho quimicamente em detrimento da qualidade e principalmente da identidade e individualidade de cada parcela de terra. Não existe mágica.
No Brasil, vinícolas como o Vinhedos Serena principalmente na uva Pinot Noir, Atelier Tormentas com os principais vinhos de Pinot Noir, Cabernet Franc e Sangiovese, Vinícola Vivente com espumantes e vinhos tranquilos de Pinot Noir, Barbera, Moscato Bianco e Chardonnay são algumas que estão liderando este movimento de respeito pela terra e práticas sustentáveis e de pouca intervenção nos vinhos. Outras como a Casa Vivá, inspirada pelos antecessores, promete continuar o importante trabalho.
Os vinhos destes possuem qualidade indiscutível e confundem inúmeros bebedores experientes que acreditam estar bebendo vinhos de países europeus. Confesso que já presenciei este fenômeno mais de uma vez em prova às cegas. Este é um dos motivos pelo qual eu defendo tal exercício, pois neste as máscaras caem e o degustador é deixado somente com o vinho em questão.
Ademais, poucos consumidores sabem que muitos dos considerados ‘melhores vinhos do mundo’ são quase exclusivamente feitos de maneira natural, sustentável e com um cuidado ferrenho com a terra. Exemplos como o lendário Domaine de Romanée Conti na Borgonha, Gianfranco Soldera na Toscana e Weingut Keller em Rheinhessen todos se utilizam de práticas sustentáveis para a produção de seus vinhos que conseguem manifestar o melhor que a terra pode oferecer em formato de vinho.
A máxima que deveríamos seguir é a de que terra enferma jamais produzirá uvas sãs, e apesar de as uvas sãs conseguirem produzir vinhos ruins, uvas enfermas jamais produzirão vinhos bons de maneira natural. Esta deveria ser a métrica do consumidor de vinho brasileiro.