Quanto Vale o Conselho? O Debate sobre a Remuneração de Assessores e o Futuro da Relação com o Investidor

Os Assessores conversam, na Dose G de hoje, sobre um tema que vem ganhando cada vez mais espaço nas mesas do mercado financeiro: a remuneração dos assessores de investimento e como ela pode influenciar incentivos, confiança e a forma como o investidor é atendido.


O mercado está mudando

Guga: Almeida, o mercado está mudando. Tem muito mais investidor, carteiras mais sofisticadas e um público que quer entender onde está o valor do que paga.

Almeida: Exatamente. E isso trouxe ao centro do debate a forma como os assessores são remunerados.
 O confronto entre o modelo commission based (baseado em comissão) e o fee based (taxa fixa) vai além de uma escolha operacional. É uma discussão sobre incentivos, alinhamento de interesses e propósito de valor.


O modelo commission based: virtudes e fragilidades

Guga: Vamos começar pelo que ainda domina o mercado: o comissionado.

Almeida: Esse é o formato tradicional. O assessor é pago por comissões e rebates das instituições financeiras, gestoras, bancos e plataformas, de acordo com os produtos recomendados.
 Para o cliente, o serviço parece “gratuito”. Mas essa sensação esconde um risco: o conflito de interesses.

Guga: Porque o assessor pode acabar sendo influenciado pelo produto que mais paga, certo?

Almeida: Exatamente. Produtos mais complexos, como COEs, fundos com altas taxas de administração, derivativos e crédito privado normalmente oferecem comissões maiores. E isso pode enviesar a recomendação.
 Foi o que vimos nos casos recentes dos COEs da Ambipar e da Braskem.
 Os produtos tinham tese e estrutura, mas as campanhas de venda foram tão agressivas que o incentivo comercial acabou se sobrepondo à análise de risco e à busca por oferecer ao cliente o que verdadeiramente é melhor para seu plano.
 Quando o retorno não vem, o cliente sente que foi vendido e não assessorado.

Guga: Mas o modelo também tem seus méritos, não?

Almeida: Tem, sim.
 O commission based facilita o acesso à assessoria, principalmente para investidores iniciantes ou com menor patrimônio.
 Num país onde a educação financeira ainda engatinha, ele permite que mais pessoas tenham orientação profissional sem precisar pagar taxa fixa de entrada.


O modelo fee based: alinhamento com desafios

Guga: E o fee based vem como a solução para esses conflitos?

Almeida: Ele tenta resolver o problema do incentivo.
 No fee based, o assessor é remunerado por uma taxa fixa, geralmente um percentual sobre o patrimônio assessorado pago diretamente pelo cliente.
 A receita não depende do produto, e sim do relacionamento.
 Isso incentiva o assessor a pensar no longo prazo, no planejamento financeiro, sucessório e tributário, e não apenas na alocação de curto prazo.

Guga: Mas nem tudo são flores, né?

Almeida: Exatamente.
 Um estudo da Merrill Lynch mostrou que muitos consultores fee based passaram a reduzir o contato com os clientes depois de migrar para esse modelo.
 Sem o incentivo das transações, a relação ficou mais distante.
 O cliente pagava, mas sentia falta de acompanhamento. Além de ter um custo totalmente distinto a depender do grau e frequência das operações do mesmo.
 Para corrigir isso, a Merrill criou um protocolo: definir frequências mínimas de interação mensal e revisões de carteira, garantindo presença ativa.

Guga: Então o risco aqui é o oposto: o cliente costuma pagar mais e diretamente do bolso, mas não vê entrega.

Almeida: Perfeito.
 No Brasil, onde a cultura de pagar por assessoria ainda está nascendo, o fee based exige prova constante de valor.
 O assessor precisa mostrar que o cliente está pagando por planejamento, estratégia e educação financeira, não apenas por uma conversa.


Barreiras culturais e econômicas

Guga: Mas o Brasil tem um fator que muda todo o jogo: juros altos.

Almeida: Sim.
 Com uma Selic de 15%, a renda fixa já entrega bons retornos com baixo risco.
 Para muitos investidores, pagar 1% ao ano por uma assessoria que recomenda Tesouro Selic ou CDB pode parecer caro.
 Essa percepção faz o fee based parecer desnecessário, principalmente quando o commission based parece “gratuito”.

Guga: Então o modelo certo depende do cenário.

Almeida: Totalmente.
 Em momentos de juros altos (renda fixa mais procurada), o commission based pode ser mais atrativo para o cliente pois tende a ser menos custoso. (Brasil em média)
 Quando os juros caem e outras ferramentas diferente da renda fixa acabam sendo a possibilidade de alcançar os retornos necessários (a renda variável volta para o radar), pode ser mais atrativo para o cliente pois tende a ser menos custoso. (EUA em média)


Contexto global vs. brasileiro: realidades diferentes

Guga: E lá fora, nos Estados Unidos, o fee domina, né?

Almeida: Domina, mas por outros motivos.
 Nos EUA, o fee based responde por 83% da receita dos departamentos de investimento dos grandes bancos, e cerca de metade dos ativos sob assessoria seguem esse modelo.
 Mas isso só é possível porque o contexto é outro:
 • Juros baixos, próximos de 3% ao ano em média histórica, e inflação controlada em torno de 2%
 • Um mercado em que a maior parte dos investidores está em renda variável
 • E um dever fiduciário legal, que obriga consultores a agir no melhor interesse do cliente, algo mais rígido do que o padrão de suitability que temos no Brasil

Guga: Então lá o investidor paga pelo serviço porque ele vê valor no acompanhamento ativo.

Almeida: Exato.
 Nos EUA, é uma questão de custo-benefício, não de ideologia.
 O commission based pode até ser mais barato para quem faz poucas operações, porque as corretagens são baixas.
 Já o fee based faz sentido para quem tem gestão complexa, planejamento e volume de patrimônio, acabando por ser até menos irrelevante pelo custo pago direto.


A regulação e a transparência

Guga: E aqui, a CVM começou a mexer nisso também.

Almeida: Sim.
 A Resolução CVM 179 de 2024 trouxe uma mudança de paradigma.
 Agora, as corretoras precisam detalhar todos os custos antes da execução e reportá-los trimestralmente.
 Isso tira a ilusão da assessoria gratuita.
 Com a transparência, o cliente passa a ver o custo real e a comparar o que recebe em troca.

Guga: Isso tende a elevar a régua do mercado.

Almeida: Sem dúvida.
 A transparência empodera o investidor e força o assessor a entregar mais valor.
 Também abre espaço pra modelos híbridos, que combinam fee fixo com comissões menores, equilibrando custo e incentivo.


O papel da tecnologia e do comportamento

Guga: A tecnologia também muda o jogo.

Almeida: Muito.
 Com robo-advisors, plataformas digitais e apps de gestão patrimonial, o investidor hoje tem alternativas baratas e automatizadas.
 Para se diferenciar, o assessor humano vai precisar de duas coisas:
 tecnologia própria, para análise, monitoramento e personalização, e inteligência emocional, atuando como um coach comportamental.

Guga: Ajudar o cliente a não vender na baixa e não entrar em bolha, por exemplo.

Almeida: Exato.
 Estudos mostram que decisões emocionais erradas podem custar até 2% ao ano de retorno perdido.
 O assessor que consegue evitar isso gera valor real e mensurável.


O futuro: modelos híbridos e segmentados

Guga: Então o futuro não é sobre escolher um modelo, mas sobre combinar os dois.

Almeida: Isso.
 O futuro da assessoria no Brasil é híbrido e segmentado.
 Para investidores iniciantes, o commission based continuará relevante, pela acessibilidade.
 Para clientes de alta renda e carteiras complexas, o fee based tende a dominar, com serviços de planejamento, alocação global e sucessão.
 No meio disso, surgem modelos híbridos, com taxas fixas simbólicas e comissões ajustadas.

Guga: O importante é que o cliente entenda o que está pagando e por quê.

Almeida: Exatamente.
 O sucesso da assessoria vai depender de três pilares:

  1. Transparência absoluta sobre custos e entregas.

  2. Alinhamento de interesses, com foco no cliente.

  3. Valor contínuo, com acompanhamento real e personalizado.


Conclusão: o valor do conselho

Guga: No fim das contas, esse debate é sobre confiança, né?

Almeida: Sempre foi.
 Nenhum modelo é perfeito.
 O commission based pode gerar conflito se mal usado.
 O fee based pode gerar passividade se mal gerido.
 Mas os dois podem funcionar se houver ética, clareza e presença.

Guga: Então o modelo é só o meio. O fim é o interesse do cliente.

Almeida: E esse é o conselho que, de fato, não tem preço.


Dose G

Dose G é a sua injeção semanal de conhecimento financeiro, por Gabriel e Gustavo. Com uma linguagem leve e acessível e insights práticos.

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