O Brasil tem enfrentado uma deterioração da situação fiscal, com aumento de gastos sem uma fonte clara de financiamento. Para Pedro Marinho Coutinho, planejador financeiro e sócio da The Hill Capital, em análise exclusiva ao BP Money, o País terá um “grande dever de casa” para resolver essa conjuntura.
Sobre a meta fiscal, antes era previsto um superávit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2025. Para 2026, seria de 1%. Contudo, em resposta ao atual cenário econômico, o governo revisou essas metas, mantendo a de 2025 em zero, alinhada com o atual ano.
Essa recente mudança nas projeções orçamentárias do país despertou a atenção do mercado para a difícil conjuntura externa, especialmente nos EUA, onde a desaceleração econômica resultou em uma menor entrada de dólares na economia, devido à redução das exportações.
A trajetória da taxa de juros no Brasil pode ser afetada por diversos fatores, incluindo a valorização do dólar em relação às contas públicas. Considerando todos esses elementos, o Banco Central pode optar por reduzir a taxa de juros, como alertou o presidente da autarquia monetária, Roberto Campos Neto, em declarações recentes.
Em paralelo a isso, o FMI (Fundo Monetário Internacional) deu um “puxão de orelha”, em seu relatório trimestral, para que os EUA se empenhem no alcance de um equilíbrio fiscal.
A autoridade monetária internacional chama atenção para a ameaça de efeitos “profundos” na economia global, em um cenário de aumento no desequilíbrio das contas.
De acordo Coutinho, o Brasil e os EUA vivem cenários fiscais preocupantes, porém com suas próprias especificidades.
“A questão americana é preocupante, mas acho que temos problemas estruturais maiores por aqui”, comenta.
Confrontando as duas realidades econômicas, o especialista destaca o cenário nacional como o mais preocupante. Isso porque apesar do esforço para aumentar a arrecadação, os gastos públicos se apresentam acima da média, dificultando a percepção de cumprimento das metas no curto e médio prazo.
Pedro Coutinho possui mais de 18 anos de experiência no mercado financeiro, com histórico de liderança de equipes em Asset Management e Corretora.
O especialista é formado em Administração pela PUC-RJ com passagem de dois anos pela Illinois State University, nos EUA. Possui pós-graduação em Mercado de Capitais pela FGV e especialização em Strategic Investment Management pela London Business School. Trabalhou na Santander Asset Management e no Banco Safra, onde foi Superintendente da Asset e da Corretora do Banco.
Confira a entrevista na íntegra:
Quais as diferenças entre os cenários orçamentários do Brasil e dos EUA?
Brasil e EUA vivem cenários preocupantes no lado fiscal, mas com diversas diferenças. Se pensarmos no processo de construção do orçamento, no Brasil temos o congresso fazendo suas modificações em cima do projeto apresentado pelo governo, muitas vezes contaminado por um déficit relevante e um sistema tributário ainda complexo e confuso.
No caso dos EUA, a estrutura traz a liberdade aos estados e municípios para gerir seus recursos, além do congresso ter uma maior participação na discussão e elaboração de diversos itens.
Nos dois casos, quando pensamos em participação política, existem discussões bastante intensas a respeito do orçamento. Nos EUA, por conta da estrutura bipartidária e, principalmente, quando há um congresso com maioria de oposição, podem existir impasses relevantes.
Porém, quando pensamos em controle e transparência, os EUA tem um sistema que funciona melhor e que é menos suscetível a possíveis ineficiências, como acontece no nosso. Por aqui, ainda temos problemas em relação às decisões tomadas pelo congresso neste tema, ainda que já tenhamos avanços e percepção de melhora.
Neste momento, os EUA tem uma economia forte e resiliente, e que mesmo com os juros em patamares considerados altos não apresentou a recessão que o mercado esperava. Além disso, o dólar tem consolidado sua força frente às diferentes moedas mundiais, principalmente aos emergentes, o que ajuda na atratividade e procura pela sua dívida.
No nosso caso, apesar do ciclo de juros ainda parecer ser baixista, tivemos uma revisão recente de metas pelo governo, que trouxe ainda mais incerteza quanto ao nosso patamar fiscal. Apesar do esforço para aumentar a arrecadação, com medidas para reduzir a ineficiência do sistema (fundos exclusivos, offshore, etc), ainda temos gastos públicos considerados acima da média pelo mercado, o que dificulta a percepção de cumprimento das metas no curto e médio prazo.
Qual cenário é mais agravante e por quê?
Hoje temos um cenário de dívida global batendo recorde, fechando 2023 com mais de U$310 trilhões. No caso dos EUA, o país vem gastando mais do que arrecada há bastante tempo, apesar dos esforços para redução de tributos feitos há poucos anos. Por conta da atratividade da sua dívida e de sua moeda, existe uma facilidade para cobrir as contas através de novas emissões, apesar das frequentes mudanças e discussões a respeito do teto da dívida.
Recentemente, acompanhamos uma maior dificuldade nos leilões das dívidas mais longas, com o mercado exigindo prêmios maiores para os papéis. Por outro lado, a economia apresenta muita força e ajuda no reequilíbrio das contas. O cenário de juros altos por lá não é considerado “normal” e acabou acontecendo, entre outras coisas, por conta de a inflação ter escapado da meta de 2% perseguida pelo Federal Reserve.
O mercado tinha como perspectiva diversos cortes na taxa americana para este ano, mas vem revisando estas projeções devido aos últimos números de inflação e emprego divulgados, além da intensificação de questões geopolíticas relevantes, como o conflito Irã-Israel. A relação dívida/PIB americana é um ponto de observação para todo o mundo, já que diversos países utilizam os títulos daquele país para aplicar suas reservas.
Já no nosso caso, o governo apresenta uma política de gastos públicos pujantes, priorizando investimentos em alguns setores e aumentando a estrutura administrativa, o que traz uma maior dificuldade no fechamento das contas públicas.
O arcabouço fiscal, uma medida vista pelo mercado como positiva, acabou passando por algumas mudanças recentes, com as metas sendo modificadas para os próximos anos. Além disso, o cenário de juro alto por mais tempo lá fora acaba trazendo incertezas quanto ao ciclo de cortes na Selic, o que poderia trazer revisões de diversas projeções aqui dentro, inclusive em relação à força da nossa economia e um possível crescimento na arrecadação.
O ciclo favorável para commodities tem ajudado as nossas exportações, mas a incerteza nos próximos movimentos nas economias mais desenvolvidas pode trazer revisões de cenário para o nosso país. Acredito que tenhamos uma situação mais delicada em relação aos EUA.
Qual país enfrenta maior desafio na busca por equilíbrio orçamentário: EUA ou Brasil?
Acho que temos um dever de casa grande no Brasil para resolver a questão fiscal, que passa não só pelos gastos públicos, mas também por uma redução das ineficiências em diversos setores da economia: reformas a serem feitas, investimentos diretos e confiança nas medidas governamentais, que podem ser fatores decisivos para que tenhamos um crescimento consistente da economia ao longo dos próximos anos.
Os EUA têm eleições neste ano, com diferentes pontos de vista entre republicanos e democratas, o que pode trazer discussões mais acirradas quanto aos gastos do governo e relação com impostos. Por lá, 60% dos gastos são os chamados obrigatórios, que não precisam ser aprovadas pelo congresso.
A economia continua muito forte e diversos fatores levam o mercado a tolerar uma relação dívida/PIB americana um pouco mais alta, como atratividade da dívida, moeda forte e considerada reserva mundial, flexibilidade monetária, mercado extremamente líquido e histórico de resiliência.
A questão americana é preocupante, mas acho que temos problemas estruturais maiores por aqui.
Você avalia que os EUA devem manter a taxa de juros elevada por mais tempo?
Acho que o Fed terá mais cuidado para tomar as suas decisões durante este ano, observando o desdobramento das questões geopolíticas e, principalmente, a evolução da inflação americana e seu caminho até os 2% a.a., que é a meta estabelecida. Já vimos um discurso mais hawkish por parte de alguns membros, levando a crer que podemos pensar em manutenção ao longo de 2024.
O mercado ficará de olho nos próximos movimentos e falas do presidente do FED para recalibrar as suas projeções, que antes chegaram a ser de até seis cortes neste ano. Tudo isso precisará ser revisado.
Os próximos dados de inflação e emprego também são muito relevantes, além da previsibilidade quanto ao conflito Irã-Israel. Todos os presidentes de bancos centrais ao redor do mundo estão acompanhando as decisões americanas, que podem influenciar as medidas monetárias em diversas economias mundiais.