Com mais de 20 anos de história, a gestora Valora Invest, atualmente, possui 51 fundos e R$ 11 bilhões sob gestão. A casa tem como foco o crédito privado, principalmente estruturado, que tem atraído cada vez mais investidores, segundo a executiva da área de Relação com Investidor (RI), Marie Montille, devido à alta taxa de juros no Brasil.
“A estratégia, como um todo, não só da Valora, mas os fundos de crédito no mercado, eles ficaram muito atrativos, com a Selic a quase 14%. Então teve um fluxo muito grande de migração. A gente saiu de R$ 1,2 bilhão, que a gente tinha nessa área desses fundos específicos, para hoje mais de R$ 4 bilhões […] Eles cresceram muito, a gente mais que triplicou esses fundos”, disse.
Apesar da atratividade, os fundos de créditos, atualmente, passam por um cenário desafiador com a alta inadimplência e, também, com a crise do varejo, puxada pelo rombo bilionário sofrido pela Americanas (AMER3). Para se proteger, Marie explica que a gestora não possui nenhum fundo que só faça crédito líquido.
“Essas debêntures de Americanas, Light (LIGT3), esses cases, são debêntures onde a gente chama de crédito líquido, porque têm muita negociação diariamente, tem muita pessoa física que tem esse tipo de papel. Então a dinâmica desses dois mercados são muito diferentes. Aqui, a gente foca muito no crédito estruturado, é a grande expertise nossa”, disse.
Segundo ela, há fundos que trabalham uma mistura entre estruturado e líquido, onde eles não tinham posições em Marisa (AMAR3) ou em Tok&Stok, mas tinham Americanas e Light. No entando, eles conseguiram se manter firmes, já que eles apostam em carteiras pulverizadas, possuindo uma grande parcela em crédito estruturado.
“Esses casos acabaram pegando o mercado como um todo desprevenido. Principalmente o caso de Americanas, que é um caso de fraude, que não tinha como prever. Todos os grandes gestores, com raras exceções, não tinham nenhuma posição nesse papel, então a questão é como você vai lidar com isso. A gente pulverizou muito as carteiras. A gente teve, sim, o default alí da debênture, mas foi uma parte muito pequena. Afetou, mas afetou menos do que poderia ter afetado”, comentou.
Confira a entrevista completa do BP Money com a Valora Invest
Vocês nasceram em 2002. Você pode contar um pouquinho da história da gestora?
Marie – O grupo Valora nasceu em 2002, mas a Valora como uma gestora de investimentos, oficialmente, nasceu em 2005. Em 2005, a gente virou um family office, onde a gente já fazia a gestão de recursos, mas eram dos próprios sócios. Então em 2008 a gente virou a Valora que nós somos hoje, que faz a gestão de recursos de terceiros, com todos os fundos, com todos os investimentos disponíveis que temos.
Há 51 fundos de diferentes perfis. Você pode dar um panorama geral sobre eles? Os fundos de crédito são o carro-chefe da casa? Quais as estratégias para eles?
Marie – Dentro desses 51, não são todos que estão disponíveis para investimentos, onde os investidores vão encontrar nas plataformas ou nos bancos. Dentro desses 51, há fundos de investimento proprietários nossos, que são veículos, a gente também tem alguns fundos exclusivos com family office. Mas os fundos que temos hoje disponíveis, basicamente, dá para dividir em dois tipos.
O primeiro são os fundos abertos, que são esses de créditos, então temos tanto os fundos 555 quanto os previdenciários, em que podemos encontrar em plataformas de investimento. A gente está, hoje, em mais de 40 – desde uma XP, BTG, Itaú, Modal e por aí vai (os previdenciários também).
O segundo bloco de fundos disponíveis são os fundos listados em bolsa, onde nós temos algumas verticais dentro da Valora, em que a gente divide por área de negócio. A gente tem uma área de fundos imobiliários, onde a gente tem três fundos listados: o VGIR11, um fundo que compra CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) em CDI (Comprovante de Depósito Interbancário); VGIP11, que compra CRIs em IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo); VGHF11, que é um hedge fund, que faz um pouco dos dois, pode comprar um pouco de tudo que for relacionado ao mercado imobiliário.
Vale comentar que nós somos uma casa 100% focada em crédito. Nós não fazemos outro tipo de investimento aqui. Apesar da gente ter esses vários veículos diferentes, todos eles são focados em créditos, em dívidas. Por exemplo, dentro dos FIIs, a gente vai trabalhar com CRIs, ou seja, comprar papel de dívida. Dentro do agro, vou trabalhar com CRAs, é uma dívida dentro desse setor. Todos eles, então, a gente trabalha com crédito privado. A gente acha muito importante, inclusive, termos uma especialidade. Há 17 anos que só trabalhamos com isso.
Em 2009, a gente lançou o Valora Absolute, que foi o primeiro fundo que temos nas plataformas, ele é para público geral, é um fundo de crédito mais simples. Desde então, a gente vem lançando mais. Talvez, hoje, os fundos listados, como os FIIs, sejam mais conhecidos pelo nome, porque são fundos super populares. O Fundo Imobiliário ficou, uma época, muito em alta, da mesma forma que os fundos agros também. Mas a gente começou com esse DNA de crédito, nos fundos 555 e, ano passado, com a taxa de juros alta e perspectivas de continuação em um patamar mais alto, eles [fundos de crédito] se popularizaram muito.
A gente tem também uma vertical de agro, onde a gente tem o VGIA11, que é listado. Mas basicamente ele é um FI Agro que compra CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) em CDI. E temos a nossa área de infraestrutura, que é um pouco mais recente aqui, começamos no ano passado. A gente também tem uma área de FIDCs (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios), onde a gente faz gestão de alguns fundos junto com as próprias empresas.
Você comentou sobre o atual cenário de juros altos. Atualmente, a gente tem falado muito sobre a crise do varejo, de inadimplência. Eu queria entender, esses fundos de créditos, de dívidas, eles não teriam um maior risco?
Marie – [Esse momento] tem afetado o mercado de crédito líquido como um todo. A gente divide o mercado de crédito em duas partes principais: o crédito estruturado, onde a gente vai muito mais para o mercado de capitais, um FIDC, um CRI, um CRA, são tipos de ativos diferentes, que, às vezes, nem são tão acessíveis para um mercado de varejo, é mais um mercado institucional, com uma liquidez muito menor, então o bolso é um pouco diferente. A gente compra com um carrego maior, com uma taxa maior. E tem o mercado de crédito líquido que está mais em pauta, que está sofrendo um pouco mais. Onde seriam, principalmente, um mercado para high grade.
A gente não tem nenhum fundo que só faz crédito líquido. O nosso fundo que trabalha mais com isso, seria o Absolute, e os previdenciários. Então eles têm uma parcela do crédito estruturado, que nesses momentos, onde o mercado líquido sacode mais, eles seguram bem o portfólio. Normalmente, é de 20% a 25%, a depender do fundo. O restante, aí sim a gente vai trabalhar uma debênture high grade do mercado.
E é esse o tipo de avaliação que a gente faz. A gente tem, semanalmente, um comitê de crédito, onde a gente avalia todos os ativos que a gente vai colocar nos nossos portfólios. Tem as pessoas que votam nesse comitê, para quem a gente passa os casos, tanto dos estruturados, quanto do crédito líquido. Na teoria, esse crédito mais líquido, é para ser um pouco mais óbvio, que são empresas já listadas, com um corte maior, que todo mundo conhece o nome. Podem não conhecer a fundo a estratégia e a estrutura, mas conhecem.
Então nesse caso [crédito líquido], a gente faz o monitoramento também. E como, a princípio, é onde a gente tem menos risco de crédito. Esses casos de Americanas e Light, são casos específicos que acontecem e, infelizmente, a gente está passivo de acontecer. Não foi que a empresa foi piorando até dar algum problema de crédito, que a gente consegue perceber ao longo do tempo. Realmente foi uma fraude muito grande, sem precedentes, que a gente pegou em uma empresa grande.
Mas tirando isso, a gente está razoavelmente tranquilo com nosso portfólio. Primeiro porque a gente trabalha ativos em CDI, com uma duração um pouco mais baixa, a gente pulveriza muito essas carteiras (acho que esse é um ponto essencial para crédito como um todo). Óbvio que para o mercado de crédito líquido, um caso desses afeta a confiança do investidor de alguma forma. E mesmo [outras] empresas que não pioraram, tiveram uma abertura da curva, uma piora na percepção de risco deste ativo, por mais que não tenha acontecido nada.
Vocês tem algum caso que está chamando a atenção positivamente?
Marie – Tudo o que for mais relacionado a crédito estruturado, de uma certa maneira, e os FIDCs, a gente tem uma posição mais relevante, que estão segurando um pouco mais o portfólio dos fundos. O FIDC é uma estrutura mais complexa e mais completa que dá uma certa margem, ele é mais flexível. A gente vai acompanhando ao longo dos meses se a inadimplência está aumentando, mas tem outros KPI (métricas) que a gente acompanha junto. Então a inadimplência pode estar aumentando, mas ao mesmo tempo o FIDC está passando uma taxa maior na ponta final, que está compensando.
São vários pontos que a gente acaba olhando junto, que deixam a gente razoavelmente tranquilos com as posição que a gente tem hoje. É claro que tudo em um momento como esse tem que ser monitorado muito de perto. Desde que a gente existe, a gente investe em FIDC, e já tiveram vários casos emblemáticos, mas a gente nunca perdeu um real com ele. Isso mostra bastante da diligência que a gente tem na hora de fazer essas alocações.
Gostaria que você pontuasse sobre a rentabilidade dos fundos de crédito em 2022.
Marie – A gente tem vários tipos de fundos com riscos diferentes e, obviamente, com retornos diferentes. Para um investidor que teria um prazo um pouco mais longo para deixar o recurso aplicado, hoje, o Valora Horizon, que é nosso fundo mais high yield, a meta de retorno dele é de CDI + 4%. É um retorno mais agressivo, mas ele é um fundo constante.
Ele tem cinco anos de história e quando a gente pega diversas janelas diferentes, ele está sempre rodando nessa faixa, que é um retorno legal. Mesmo na pandemia, que o mercado de crédito sofreu bastante, ele foi bem resiliente, porque ele tem essa característica de investir em crédito mais estruturado. Ele é uma opção de retorno, principalmente, para momentos como esse, onde o crédito líquido sofre, você consegue trabalhar um crédito estruturado e continuar com bons rendimentos na renda fixa.
Sobre o fundo agro, que vocês criaram a operação em outubro de 2019, e o fundo mesmo em 2021. Por que vocês decidiram apostar nesse setor?
Marie – Basicamente, a Valora começou com aquela área de fundos abertos, que é o que eu comentei e a área de estruturados. Aí a gente foi criando verticais de negócios, conforme fomos vendo a necessidade, a demanda, e quando a gente achava pessoas boas para vir ocupar a cadeira aqui. Então cada uma dessas verticais (imobiliário, agro, infra), tem um head que é especialista e que veio desse próprio mercado. Da mesma forma que aconteceu com o imobiliário, meio que a gente fazia já CRAs dentro da Valora, mas isso ficava, antigamente, dentro da área de estruturados como um todo, a gente não tinha a diferenciação.
A gente viu que, a partir de 2019, o mercado de capitais focado no agro começou a ficar muito maior e a ter muito mais demanda. Óbvio que a gente teve uma redução, porque o mercado agro era muito financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), e isso começou a secar um pouco, então muito dessas estruturas, dessas originadoras agro precisavam se capitalizar através do mercado de capitais. Com isso, a gente fez uma área específica para agro dentro da Valora, a gente chamou o Ghilherme Grahl e o Humberto Hardman, ambos ex-banco Cargill, onde foram diretores. Então conhecem esse mercado muito bem.
Mais ou menos nessa época, veio a calhar toda a legislação para mercado de FI Agro que veio para o Brasil. Então a gente já estava gerando muitos CRAs dentro do mercado agro. A gente foi bem pioneiro, fomos o terceiro fundo FI Agro lançado no Brasil. Conseguimos pegar toda essa onde com muita expertise e já ativos dentro de casa que a gente fazia dessa originação de CRAs. É um setor muito atrativo, que está crescendo e tem muita oportunidade boa.
Para 2023, como vocês estão planejando a estratégia de vocês?
Marie – A gente está bem cauteloso, para ser sincera. Desde a eleição, estamos com um pouco mais o pé no freio. Temos analisado muito mais o tipo de crédito que a gente entra. Estamos falando mais ‘não’ do que ‘sim’, porque o cenário está mais incerto, essa parte política e fiscal. E o cenário incerto talvez seja o mais difícil de navegar, é até pior do que um cenário ruim, porque em um cenário ruim, você sabe como se posicionar. No incerto, ele pode ir para vários lados.
O que a gente acaba fazendo aqui, muito nessa parte dos fundos de crédito que são os que mais sofrem, é eventualmente acabar aumentando um pouco mais o caixa dos fundos, para conseguir em um momento de estresse não tomar tanta pancada, e também ter bastante recurso para entrar comprando na hora que o mercado voltar. É uma forma de se proteger que a gente tem adotado nesses últimos meses. Mas não quer dizer que não tenham coisas boas vindo.