Entrevista

Newa promove diversidade e saúde emocional a empresas

Carine Roos, CEO e fundadora da Newa, falou sobre a importância do desenvolvimento de saúde mental e emocional no mercado financeiro

Carine Roos, CEO e fundadora da Newa.
Carine Roos, CEO e fundadora da Newa. Foto: Paulo Liebert/Divulgação

Discussões que interligam saúde mental e ambiente de trabalho têm se destacado ao longo dos anos, e não é à toa: de acordo com dados da Anamt (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout – doença ocupacional reconhecida e classificada pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Segundo a agência, inclusive, estima-se que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente por causa da depressão e da ansiedade, custando à economia mundial quase US$ 1 trilhão.

No mercado financeiro, o cenário não foge à regra. Afinal, imagine: se as notícias do cenário macroeconômico mundial já afetam os chamados “leigos”, imagine quem trabalha, dia após dia, com os dados, indicadores e notícias que direcionam o setor.

Ademais, a pressão, competição acirrada e a infinidade de demandas contribuem para um ambiente propício para o estresse, insônia e problemas como depressão e ansiedade. Apesar dos dados alarmantes, porém, a área de bem-estar e saúde mental de boa parte das empresas ainda está defasada.

Foi observando isso que Carine Roos, CEO e fundadora da Newa, resolveu expandir os focos da empresa e promover saúde mental para outras empresas. O propósito da organização, segundo consta no próprio site, é “transformar a realidade das organizações por meio da Diversidade, Equidade, Inclusão e do incentivo ao cuidado com a saúde emocional dos colaboradores e lideranças”.

Carine falou ao BP Money sobre o seu trabalho com impacto social através da Newa e da importância do desenvolvimento de saúde mental e emocional no mercado financeiro.

Confira e entrevista na íntegra

Como surgiu a ideia de desenvolver uma empresa de impacto social?

Tudo começou em 2012, quando eu já tinha saído da graduação e já estava há alguns anos no mercado como jornalista. Comecei a me deparar com muitas situações desafiadoras no ambiente de trabalho, testes da minha capacidade, porque são ambientes extremamente masculinos, e foi o primeiro momento que comecei a perceber a desigualdade de gênero como uma questão discriminatória de micro agressões.

Em 2012 para 2013 eu decidi abrir uma Organização sem Fins Lucrativos chamada Maria Lab, que tinha o foco de ser um espaço feminista interseccional que busca acolher e fomentar o desenvolvimento de mulheres na ciência.

Foi nessa vivência de dois anos que entendi que eu gostaria de trabalhar com impacto social. Cheguei a fazer uma pós de Inovação Social no Instituto Amani e dali fiz a minha transição de carreira.

Já tinha me tornado consultora da Unesco, já tinha uma vivência grande na área de comunicação e direitos humanos, e aí decidi abrir minha primeira empresa em 2017, que foi a Upwit, onde comecei a desenvolver programas de diversidade de gênero dentro das corporações para que as mulheres pudessem não só crescer e ascender, mas se sentirem pertencentes e valorizadas nesses espaços.

E a partir daí, nunca mais desci de empreender, ampliando depois o trabalho não só com diversidade de gênero, mas com outras diversidades e agora também no campo da saúde emocional e segurança psicológica de times.

Desde o princípio, o objetivo era tornar-se referência na promoção de práticas de DE&I e, principalmente, saúde emocional nas empresas? O que vocês auxiliam as organizações a colocarem em prática?

Acho que o primeiro objetivo inicial foi se tornar referência em diversidade de gênero nas empresas. Tanto no aspecto de educação, letramento, diversidade e inclusão, e equidade de gênero, quanto no campo consultoria.

Ajudar as empresas no desenvolvimento de políticas, de práticas para que elas efetivamente possam ser empresas inclusivas, onde as pessoas se sintam confortáveis para ser quem elas são.

No processo de pandemia, a gente amplia o nosso olhar, eu faço uma especialização em Gestão das Emoções nas Organizações no Einstein, e passo a integrar dentro dos workshops e treinamentos da Newa capacitação e gestão das emoções, desenvolvimento de liderança compassiva, trabalho com comunicação não violenta e escuta ativa, afinal tudo isso está integrado.

Se a gente quiser espaços mais inclusivos, vamos precisar desenvolver novas competências dessas lideranças e colaboradores, e foi por isso que eu acabei incluindo o aspecto da saúde emocional dentro das organizações.

Pode falar um pouco como foi a procura dos serviços da Newa, principalmente relacionado à saúde emocional e mental dos colaboradores no pós-pandemia? Vocês viram essa procura crescer?

Desde que passamos pela pandemia, quando olhamos para multinacionais, percebemos que muitas delas já têm um certo grau de maturidade em relação a diversidade, não vou dizer que está resolvido, mas elas já têm metas, determinadas políticas e práticas. Porém, a área de saúde emocional e bem-estar ainda está muito defasada.

A pandemia provocou as empresas a olharem para isso como algo prioritário e complementar ao trabalho de diversidade e inclusão. Então hoje, com uma certa frequência, nós somos chamados para dar imersões dentro das organizações.

Começou com uma imersão em liderança humanizada que juntamos direitos humanos, liderança compassiva e segurança psicológica de times. Foi um programa de cinco dias que rodamos durante 2 anos dentro do Dark Center, para mais de 300 lideranças, para que elas efetivamente internalizassem novos comportamentos e uma nova mentalidade de trabalho nesse contexto de pós-pandemia.

Ainda assim, somos chamadas para desenvolver workshops, sensibilizações no campo da gestão das emoções, do desenvolvimento de uma maior escuta e de maior sensibilização dessas lideranças, para que elas possam não só se conectar com seus times, mas também serem líderes melhores.

No mercado financeiro, a saúde mental e emocional tem ganhado atenção nos últimos anos, principalmente entre bancários. A que você atribui isso?

A atenção à saúde mental no mercado financeiro pode ser atribuída a vários fatores. Primeiro, a pressão e a alta demanda podem levar a altos níveis de estresse e burnout. Segundo, há uma conscientização crescente sobre a importância do bem-estar mental e seu impacto na produtividade e na performance.

Além disso, iniciativas de grandes instituições financeiras têm ajudado a quebrar o estigma e promover uma cultura de apoio à saúde mental, incentivando os colaboradores a buscar ajuda quando necessário.

O setor bancário é um setor de alta pressão, não só de bater metas, mas também é um ambiente de alta pressão, extremamente hierárquico e rígido, onde há pouca mobilidade e flexibilidade de trabalho. Muitas pessoas precisam trabalhar no presencial, e isso faz com que a questão da saúde emocional muitas vezes fique abalada.

Então depende muito do ramo e da liderança, e se alta liderança é exemplo em termos de cuidado com a sua própria saúde mental, obviamente isso vai refletir nos seus colaboradores.

Quando se fala em saúde mental no mercado financeiro, na sua avaliação, quais são os principais pilares a serem colocados em prática?

O mercado financeiro apresenta um alto índice de adoecimento e esgotamento mental por pressão, instabilidade, cobrança por performance e rendimento, competição e outros fatores relevantes.

São esses indícios que levam ao Burnout, transtornos como depressão e ansiedade, que estão entre as principais causas de afastamento do trabalho e sobrecarregam significativamente o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Com práticas de promoção e suporte à saúde mental, as empresas podem diminuir a incidência destes transtornos, reduzindo a demanda por intervenções médicas e tratamentos de longo prazo, o que, por consequência, alivia a carga sobre os recursos públicos, e até mesmo o gasto em absenteísmo.

Quanto aos clientes que você realiza consultoria, quantos são do mercado financeiro?

Temos clientes do mercado financeiro, como Itaú e Banco PAN, e nessas organizações, já fizemos um grande trabalho de diversidade e segurança psicológica de times. Mas uma área que tem aparecido para a gente é a área médica, como o Grupo Fleury e Alice, pois é um ambiente de alta pressão.

As lideranças têm uma hierarquia muito alta em relação ao próprio ethos, status da profissão e uma sobrecarga de trabalho absurda, e acabam sofrendo burnout e desconexão das emoções e do corpo.

Então essa tem sido uma área que viemos apoiando, organizações que lidam diretamente com saúde para apoiar colaboradores e as próprias lideranças.

Desde que você se tornou empresária, sentiu os efeitos da pressão e estresse comuns no mercado financeiro?

Com certeza, e quem acredita que empreender é uma jornada mais tranquila do que ser um colaborador está muito enganado. É uma pressão para todos os lados, não só para gerar resultado e impacto, mas porque você tem a responsabilidade de muitas pessoas dependerem do seu trabalho.

É uma pressão enorme para ser sustentável, gerar impacto e continuar aderente mesmo às novas demandas que estão surgindo. Com a pós-pandemia, com a crise econômica, com a inteligência artificial, devemos repensar os processos dos modelos de trabalho.

Com o momento atual que estamos vivendo, de redução de cortes da área de diversidade, tudo isso afeta a saúde mental de empreendedores como eu, então nessa minha jornada sinto bastante cansaço e exaustão.

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