Por Raone Costa*
O ano de 2022 está marcado pela volta do protagonismo da inflação no debate econômico global, o que naturalmente trouxe consigo juros maiores. Isso aconteceu em praticamente todo o globo. Esse novo cenário talvez não tão seja tão novo a nós, brasileiros, mas certamente é bastante diferente do que vinha sendo observado nos últimos anos em países desenvolvidos. Recentemente, no entanto, tivemos três meses de deflação no Brasil e diminuição do ritmo de inflação mensal nos países desenvolvidos. Será que isso é suficiente para mudar o panorama recente?
A visão sobre um mundo onde predomina o combo ‘mais inflação, mais juros’ na próxima década se mantém. No entanto, nos próximos meses, muito provavelmente esse não será o principal tema da discussão por conta do momento do ciclo econômico. O mercado já dá sinais de que nos próximos meses o problema inflacionário global deverá diminuir. A mudança na perspectiva de crescimento – especialmente na Europa e nos Estados Unidos – levou a uma redução importante das commodities em dólar nos últimos meses.
A questão é que a redução de inflação, que já começou no Brasil e que deve acontecer com mais intensidade nos países desenvolvidos nos próximos meses, não parece ser capaz de vencer o ‘cabo de guerra’ contra a força do mercado de trabalho. E é isso que leva a crer que o movimento de alta da inflação de 2021 deve continuar sendo um problema, tanto por aqui, quanto no exterior, no longo prazo.
No Brasil, as recentes medidas de cortes de impostos certamente reduziram a inflação dos últimos meses, mas é difícil acreditar que no ano que vem, após a eleição e o costumeiro ciclo eleitoral, não viveremos um período de recomposição de tributos e tarifas. De fato, pela legislação atual, os impostos federais sobre combustíveis devem voltar no final deste ano, o que sozinho adiciona 175 pontos base (BPs) na inflação de 2023.
Por mais que os candidatos prometam que os cortes de impostos serão mantidos, alguma medida tributária com impacto inflacionário semelhante deve ser observada, não só no Governo Federal como também nos estados, que perderam parte importante de seus orçamentos com a redução do ICMS em combustíveis, energia elétrica e telecomunicações.
De toda maneira, ainda que os efeitos já mencionados ajudem a dar sustentação à crença inflacionária, o principal argumento para esse fim não vem desses pontos específicos, mas sim da relação entre bens e serviços. De março de 2020 para cá, tanto no Brasil como nos Estados Unidos os serviços ficaram defasados aos bens. Com a normalização da inflação de bens que estamos vendo agora, serviços devem liderar a inflação, recuperando parte do terreno perdido e voltando à tendência anterior desse preço relativo. O problema é que, além de termos um bom terreno a se recuperar, com a força do mercado de trabalho que estamos vendo ao redor do globo, é difícil imaginar esse equilíbrio acontecendo com um patamar de inflação de serviços menor que o atual. Finalmente, o patamar atual já não é consistente com o regime de metas.
O que está por trás de praticamente todo esse movimento são os massivos estímulos fiscais gerados em 2020 e 2021. O argumento para a inflação é bem simples. Parafraseando John Cochrane em seu artigo recente “Inflation Past, Present and Future: Fiscal Shocks, Fed Response and Fiscal Limits”: “A meu ver a fonte subjacente da inflação atual é simples: nosso governo imprimiu cerca de US$ 3 trilhões em dinheiro extra e mandou na forma de cheques. Ele emprestou cerca de US$ 2 trilhões a mais e mandou mais cheques. Foi um helicóptero de dinheiro clássico”.
Resolver um problema assim usando apenas a política monetária é difícil. A política monetária tem o papel de suavizar ciclos e consegue até reduzir a inflação no curto prazo, mas não consegue determinar o nível de inflação de equilíbrio de uma economia na presença de choques fiscais dessa magnitude.
No caso brasileiro, sofremos até mesmo um choque fiscal adicional este ano em virtude das mudanças de políticas sociais (auxílio brasil de R$ 600 e vales para caminhoneiros e taxistas). Juntando esse quadro à percepção “antiga” de juros neutros, acreditamos ser seguro pensar que o cenário estrutural de juros e inflação para cima continue totalmente válido. O problema é que no curto prazo o mercado deve se movimentar numa outra direção, tornando a gestão de ativos complicada.
*Raone Costa é economista-chefe da Alphatree Capital, gestora de recursos independente fundada em 2021 e professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas