Opinião: Não matem o mensageiro

Daniel Diniz Sznelwar é sócio-fundador da TREE, uma empresa especializada em ajudar o mercado imobiliário e o mercado de capitais a investirem no Brasil.

Por: Daniel Diniz Sznelwar

Quando Dario III viu-se envolto de más notícias acerca da situação suas tropas, que culminaram na inevitável vitória do seu rival macedônio, Alexandre – o Grande, resolveu tomar uma atitude imediata: matou seu comandante Charidemus que lhe detalhou a situação no front. Mas para frente na história, Gengis Khan tornou o hábito de matar aqueles que lhe trouxessem notícias que não o agradavam e assim popularizou-se o provérbio “Ne nuntium necare”, traduzido do latim, “Não mate o mensageiro.”

Existe um personagem criado nos discursos populistas, nas narrativas, posts das redes sociais e matérias jornalísticas: O Mercado. Ele aparece como um ator que ora age a favor, ora contra aqueles que criticam ou elogiam o governo. Muito se discute quem é esse tal mercado e, em minha visão, ele é o Mensageiro. Quando a “bolsa cai”, significa simplesmente que pessoas tomaram a decisão de vender suas ações ou títulos pois esperam que o que virá para frente será pior ou porque encontraram oportunidades melhores para investir. O mercado avisa isso para o governo.

No entanto, o mercado é mais do que um mero mensageiro. A B3 registrou, em janeiro de 2022, 5 milhões de contas atreladas a pessoas físicas que são investidores em renda variável; para renda fixa, são 10 milhões CPFs. A B3 tem observado o número de investidores crescer de forma recorrente nos últimos anos, com valores aplicados cada vez menores e isso também é uma mensagem: o mercado de capitais tem atingido seu objetivo de oferecer aos poupadores de todos os tipos uma forma segura e transparente de participar de ganhos maiores que os das taxas reguladas, como a poupança – e os investidores têm percebido isso e representa crescimento da educação financeira.

Na outra ponta estão as empresas listadas e os produtos oferecidos em renda fixa que tem o papel de fomentar a economia: IPO (sigla em inglês para primeira oferta de venda de ações de uma empresa) , CRI (certificados de recebíveis imobiliários), CRA (certificados de recebíveis agrícolas) , Debêntures (títulos representativos da dívida de uma empresa) não são sopa de letrinhas, mas seu movimento demonstra que o país está investindo em produção de alimentos, habitação, extração de matérias primas e muito mais.

Com estes investimentos, surgem empregos, novos prestadores de serviço, mais empregos, mais serviços, mais empregos e assim positivamente o país inteiro cresce. A bolsa cair não é bom para ninguém. É provável que o apartamento que você mora, que o transporte que usa, a sua geladeira e a comida que tem dentro dela, o armário e o que tem dentro dele, o gás, a água, o esgoto e muito mais do nosso cotidiano, em algum momento teve relação com o mercado de capitais e só chegou até você por causa dele. A B3 tem quase 500 empresas listadas dos mais diversos setores e o mercado de renda variável movimentou R$ 7,5 trilhões de reais em 2022.

Mas há ainda mais complexidade aqui: os fundos de pensão, que operam na bolsa de valores, são responsáveis pela previdência privada de milhões de pessoas. Apenas o PETROS e o PREVI – respectivamente dos funcionários aposentados da Petrobras e dos Correios, são responsáveis por garantir a aposentadoria de mais de 400 mil famílias. Há ainda fundos para garantir ensino, pesquisa, educação, cultura, preservação do meio ambiente, entre muitas outras iniciativas que estão à disposição daqueles que minimamente queiram se informar melhor.

Há também os gestores de recursos de terceiros, pagos para se anteciparem a movimentos de alta ou baixa e para decidirem onde investir a fim de apurar ganhos consistentes para seus cotistas. Em países como o Brasil, onde a volatilidade e a insegurança jurídica são grandes, quem não se antecipa aos movimentos acaba tendo perdas maiores, mesmo que momentâneas, e perde clientes.

E tem ainda o tesouro direto, a maneira que o governo encontrou para se financiar com o mercado. Classificado como renda fixa, ele tem seus títulos comercializados e sua liquidez garantida pela bolsa de valores. O tesouro direto é a maneira que o governo tem para antecipar receitas futuras e investir no que é necessário agora. Os títulos remuneram os investidores com juros que podem ser indexados à taxa básica de juros (Selic), ao CDI ou a algum índice de inflação, como o IPCA, por exemplo. O pagamento desta dívida sai dos impostos e, quando a inflação é maior ou a taxa básica de juros está alta, este custo é maior. É nossa dívida interna.

Sempre que as despesas do governo superam as receitas, há necessidade de dinheiro para cobrir estes gastos. Vejam, quanto maior for o descontrole sobre as despesas, maior são as taxas para que estes títulos sejam atrativos. Assim, maior a parcela de pagamento de juros que sai da receita (impostos) e menos dinheiro sobra para as despesas recorrentes do governo e menor a chance para novos investimentos em saúde, educação, cultura, habitação, assistência social entre outros.

O descontrole dos gastos públicos faz com que a expectativa de necessidade de dinheiro por parte do governo aumente. A desorganização fiscal faz com que os empréstimos (ou investimentos) sejam adquiridos com taxas maiores. Taxas maiores no Tesouro Direto, somado a um ambiente institucional turbulento, faz com que investidores optem por tirar dinheiro das ações de empresas e garanta seu ganho de forma mais simples e segura emprestando para o governo. Faz com que CRIs, CRAs e outros “papéis” que financiam a produção no país fiquem menos atrativos que os títulos emitidos pelo Tesouro e a iniciativa privada perde a capacidade de se financiar.

O governo precisa então assumir os riscos e responsabilidades que a iniciativa privada estava assumindo antes, investindo em produção de alimentos, habitação, extração de bens minerais entre outros, para garantir a geração de empregos que vão gerar renda, consumo e mais empregos. Em um país com tantos desafios como o Brasil, independente da ideologia, parece que o caminho não é este.

As peças que movem o Mercado não agem de forma orquestrada ou previamente combinada. Não há, como alguns parecem acreditar, uma especulação conjunta com o objetivo de atrapalhar um ou ajudar o governo. O mercado tem seu objetivo muito claro e semelhante com o que todos os candidatos costumam prometer em suas campanhas: crescimento, emprego e geração de riqueza.

Neste cenário o ideal é que exista paz e sinergia, é preciso que o mercado não seja colocado como o inimigo e que a mensagem seja entendida e usada estrategicamente para garantir um ciclo positivo de crescimento. O mesmo Gengis Khan, que tinha o costume de matar quem lhe trazia notícias desagradáveis, dizia que “conquistar o mundo a cavalo é fácil; difícil é desmontar e governar.”

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