Artigo: Os desafios do investimento-anjo no Brasil

Existem muitas questões estruturais a serem resolvidas para que os investimentos-anjos possam, enfim, decolar no país

*Jaana Goeggel e Mariana Figueira

O cenário econômico com a pandemia certamente gerou um boom de empreendedorismo no Brasil, com a ‘digitalização’ forçada de vários setores. Mesmo assim, quando falamos do ecossistema de startups, vemos que existem ainda muitas questões estruturais a serem resolvidas para que os investimentos-anjos possam, enfim, decolar no país e os empreendedores tenham maior estímulo para tirar seus projetos do papel.

E, aqui, não estamos falando apenas do problema de excesso de burocracia e das inúmeras outras dificuldades a serem transpostas pelos fundadores, verdadeiros heróis ao colocarem de pé o sonho de abrir seus próprios negócios. Mas salientamos também, entre outras questões, o altíssimo risco que representa, ainda hoje, ser um investidor-anjo e fomentar a inovação no Brasil. Algo que, sem dúvida, permanece muito mais complicado para os investidores brasileiros do que para os de outros países.
 
Atualmente com cerca de 7 mil investidores-anjos, o Brasil tem apresentado estabilidade no montante de investimentos desta modalidade. Os motivos para esse baixo número são notadamente estruturais. A taxa de juros do Brasil, que sempre foi uma das mais altas do mundo, aumentou significativamente nos últimos meses – chegando a 13,75% -, o que torna muito menos atrativo o investimento em capital de alto risco. Nesse cenário, os investimentos em renda fixa, por exemplo, são muito mais atrativos e menos arriscados do que em startups.
 

Além disso, não existe nenhum tipo de incentivo fiscal que torne mais atraente o investimento-anjo no país. Na Inglaterra, por exemplo, o governo entendeu que investidores-anjos arriscam seu capital pessoal em negócios que geram emprego e fomentam o ecossistema de inovação e que, por isso, merecem incentivos fiscais para ganhos e perdas de capital. Aqui, ao contrário, o poder público não incentiva quem tem recursos e quer aplicá-los em startups.
 
Mesmo assim, esse ecossistema tem crescido no Brasil e o país já tem mais de 20 unicórnios (startups avaliadas em mais de U$ 1 bilhão), número que tende a crescer de maneira proporcional ao volume dos investimentos providos pelo segmento de venture capital como um todo – investidores anjos e fundos de late-stage. 
 
De acordo com um levantamento realizado pela consultoria KPMG, os investimentos em venture capital no Brasil somaram US$ 1,54 bilhão no primeiro trimestre de 2022, resultado considerado o terceiro maior da série, iniciada em 2014. Já o investimento-anjo no país cresceu 17% no ano passado, segundo pesquisa da Anjos do Brasil, alcançando o montante de R$ 1 bilhão e voltando ao patamar pré-Covid, o que demonstra estabilidade nos últimos anos.
 
Olhando para fora, quando falamos de investimento-anjo vemos que o Brasil ainda está engatinhando em relação aos países europeus e aos Estados Unidos. De acordo com dados da mesma pesquisa, aqui o investimento em startups precisa de estímulo e apoio para crescer e atingir todo seu potencial, que deveria ser R$ 10 bilhões ao ano, proporcionalmente ao efetuado em outros países, se tivéssemos a mesma porcentagem do PIB que o investimento anjo tem nos EUA. 
 
Ao contrário daqui, nos EUA, o venture capital é considerado um importante fator de crescimento e consolidação de empresas. É um mercado maduro, que possui mais recursos, leis modernas, inovações e tudo aquilo que atrai investidores. Da mesma forma, na Inglaterra o SEIS e o EIS oferecem incentivos fiscais diversos, como abatimento de impostos em caso de ganho de capital e em caso de perdas derivadas de investimentos em startups que fecham as portas.
 
Aqui no Brasil, se forem criadas políticas públicas de fomento ao investimento, as startups terão um largo campo para crescer e aumentar enormemente seu potencial. A necessidade do confinamento e a perda de empregos foi um impulso ao empreendedorismo e deu espaço para a criação de muitas startups.
 
Em meio a essa cultura nacional empreendedora, mulheres e negócios voltados para elas especificamente, como femtechs, têm surgido com grande força e passado a chamar a atenção dos investidores. Na América Latina, investimentos em startups fundadas por mulheres, com mulheres no time de fundadoras ou no conselho, pularam de 15% para 30% desde o início deste ano, segundo o estudo LAVCA VC & Tech Mid-Year Trends na América Latina.
 
Estamos, agora, diante de um bom momento para aproveitar esse mercado emergente, que oferece ótimas ofertas, diversas possibilidades tanto para empreendedores como para investidores-anjos e, principalmente, para mulheres, que estão ocupando cada vez mais espaço no ecossistema das startups. Como contar com mudanças fiscais é algo muito de longo prazo, precisamos disseminar cada vez mais a modalidade de investimento-anjo para que mais pessoas tenham acesso a deal flow, saibam avaliar startups e conheçam os riscos e possibilidades envolvidos no investimento  em startups em estágio inicial. . Estamos trabalhando trabalhar para que isso aconteça. 
 
*Jaana Goeggel é co-fundadora do Sororitê e investidora anjo da Mimo, Sleep Up, Zissou, Mooney entre outras. Também faz parte do conselho dos Columbia Ventures do Brasil e do conselho da Zissou e atua como mentora para startups no Brasil e na Suíça.

*Mariana Figueira é co-fundadora do Sororitê, mentora de startups e investidora anjo em empresas como Mimo, Todas Group, Munda Meu Mundo e Code First Girls. 

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