Opinião

Os pagamentos se estabelecem como a porta de entrada para o sistema financeiro. Quais são os próximos passos?

Por: Bruna Cataldo e Carlos Ragazzo

A exclusão financeira representava um desafio histórico no Brasil. No entanto, nos últimos três anos, o país passou por uma transformação significativa. Testemunhamos a proporção de brasileiros sem acesso ao sistema financeiro reduzir de 32% em 2014 para 16% em 2021, conforme dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O BID também destaca que essa melhoria foi tão marcante que teve um impacto significativo na redução dos níveis de exclusão financeira em toda a América Latina e Caribe.

Esse movimento é amplamente atribuído a dois eventos: a implementação do auxílio emergencial no início da pandemia e o lançamento do Pix. Este último reflete uma tendência global mais abrangente, da qual o Brasil é um dos protagonistas: a mudança do ponto de acesso ao sistema financeiro, deslocando-se das contas bancárias em direção aos pagamentos.

Mercado de pagamentos coloca Brasil como caso de sucesso em inclusão financeira

A aposta regulatória partiu do pressuposto de que o Pix funcionaria como uma nova porta de entrada para o sistema financeiro, justamente devido a três fatores-chave: (a) a criação da chave não exige a abertura de uma conta bancária; (b) seu uso é gratuito para pessoas físicas; e (c) sua operação é simples, especialmente considerando a ampla adoção de smartphones no país. O desafio era significativo, especialmente para um instrumento que dependeria da participação dos bancos. Em dezembro de 2020, menos de um mês após o lançamento do Pix, a maioria dos excluídos eram pessoas de baixa renda que tinham uma forte desconfiança em relação aos bancos: 75% delas alegavam evitar ao máximo lidar com instituições financeiras, e 39% citaram a falta de recursos como motivo para não ter contas.

Mas, após 3 anos, a aposta se confirmou. Na verdade, em 6 meses de operação, o Banco Central reportou em seu relatório de Cidadania financeira que o Pix estava sendo usado por mais de 80 milhões de usuários, dos mais variados perfis socioeconômicos e geográficos, com destaque para mais de 40% do público de renda baixa alcançado em tempo tão curto. O Pix induziu o primeiro contato com o sistema financeiro: 17 milhões de pessoas que nunca tinham feito uma transferência tinham feito um Pix nesses primeiros 6 meses de operação, representando 16% das transações da modalidade naquele momento. Ao final de 2022, o Banco Central reportou que 71,5 milhões de pessoas tinham sido incluídas por meio do Pix. 

A mudança do eixo de inclusão da conta bancária para pagamentos ainda vai além do Pix e de instrumentos de pagamento como todo, passando por uma diversificação das instituições por onde os primeiros contatos acontecem: os últimos anos mostraram grande crescimento das instituições de pagamento nesse papel, principalmente entre jovens. Se entre 2011 e 2015 elas eram responsáveis por menos de 0,5% do primeiro contato para o público até 29 anos, entre 2016 e 2020 chegaram a 20% para público entre 15 e 19 anos, 14,9% entre 20 e 24 e 10% entre 25 e 29 anos. Resultado este que também reforça a importância de modelos centrados em serviços financeiros mais baratos (contas de pagamento) oferecidos por instituições com modelos de negócio digitais (fintechs). Considerando todo o público, o número de clientes das IPs cresceu 65% apenas entre 2019 e 2020. 

Assim, em período curto de tempo, o Brasil conseguiu reduzir consideravelmente as barreiras que tinha para a inclusão financeira ao resolver duas das principais dores apontadas pela própria população excluída: custo e desconfiança de bancos. Os resultados são considerados uma revolução. O Pix, especificamente, foi reconhecido ao ponto de ser premiado internacionalmente pelo seu papel na inclusão financeira. Todo esse movimento, portanto, consolida que pagamentos – especialmente os digitais – são a nova porta de entrada ao sistema financeiro. Mas o que acontece depois que as pessoas entram no sistema?

O que vem depois da inclusão? País precisará lidar com problema de capacidade financeira

Seguindo a própria definição do BC, incluir a população não é suficiente: é preciso que os brasileiros consigam diversificar os produtos financeiros com os quais têm contato – aumentando progressivamente a complexidade – sendo ainda capazes de entendê-los a ponto de tomar decisões financeiras adequadas. É o que a autarquia chama de Cidadania Financeira, que vai muito além de apenas dizer que a grande maioria da população já fez alguma transação. Nesse departamento, o Brasil ainda precisa evoluir.

Temos péssimos resultados em alfabetização financeira: o quarto pior para crianças dentre os países avaliados pelo PISA e o quinto pior entre adultos dentre os países do G20 no indicador feito pela Rede Internacional de Educação Financeira da OCDE em sua versão mais recente, que cobre conhecimentos básicos como juros compostos, inflação, diversificação de riscos e operações matemáticas básicas.

Reconhecendo que ainda existem passos importantes a serem tomados em termos de inclusão, é preciso que agora o Brasil também volte sua atenção para a criação de competências financeiras da população, para que esta possa usufruir de toda a modernidade que lhe tem sido oferecida para além do Pix, notadamente o Open Finance e o DREX. 

O Comunicado n° 34.201/2019 do Banco Central sugere que será papel cada vez maior das próprias instituições do sistema agir para capacitar financeiramente os clientes que têm conquistado a partir do processo de inclusão. Assim, se IPs e novos meios de pagamento se tornaram o principal veículo de inclusão, a aposta é que a solução para o problema de capacidade financeira também venha de dentro do sistema, com bancos, IPs e outras instituições sendo incentivadas a lançar estratégias próprias de educação financeira para o processo. O futuro, portanto, está em acompanhar como isso será feito e quem sairá na frente em termos de usar tal movimento como diferencial competitivo.

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