A relação da economia com o meio ambiente tem uma semiótica que pode ir além das ilustrações nas cédulas do real, quando expressões populares como “amigo da onça” se ajustam a algumas situações e projetos na área. Este é o caso do PL 576/2021, a pauta de “jabutis” das usinas de energia eólica offshore, que especialistas classificam como uma manobra de “greenwashing”, que pode ter efeitos negativos sobre a credibilidade do País no setor.
Prestes a fechar temporariamente as portas para o recesso do final de ano, que começa a partir de segunda-feira (23), o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei com o marco regulatório de exploração da energia eólica em alto-mar (offshore) no País.
Porém, o setor elétrico não está necessariamente satisfeito, visto que a pauta integrou outros pontos alheios ao tema – os conhecidos “jabutis” – que na verdade fogem do intuito principal e podem ser prejudiciais para a agenda nacional de transição energética.
Para a coordenadora da da área de infraestrutura do Ciari Moreira Advogados, Ivana Cota, a incorporação das pautas jabutis no projeto podem, sim, enfraquecer a credibilidade do Brasil na agenda de transição energética.
Isto por conta da percepção de que o País tem uma postura contraditória, misturando compromissos de sustentabilidade com a criação de subsídios a tecnologias poluentes.
“Isso prejudica a confiança de investidores internacionais e parceiros que priorizam ações alinhadas ao Acordo de Paris, cujo objetivo principal é a adoção de medidas de redução da emissão de gases do efeito estufa”, afirmou Ivana.
Além disso, ela reforçou os riscos do projeto ser considerado como um “greenwashing”. O termo se refere à iniciativas que partem da ideia de ajudar o meio ambiente, ou ser “amigo da natureza”, mas na verdade apenas mascaram a continuidade de práticas nocivas nessa área.
Os principais pontos incorporados, e criticados, foram a prorrogação de contratos das usinas termelétricas a carvão até 2050, enquanto as termelétricas movidas a gás natural com operação flexível receberam obrigatoriedade de contratação, aumentando a dependência pelos combustíveis fósseis, os custos das tarifas de energia e mais emissões de gases do efeito estufa.
O advogado da Bruno Boris Advogados, Yuri Fernandes Lima, no entanto, afirmou que o projeto ainda é visto como parte do esforço de aumentar a geração de energia renovável no Brasil e pode “demonstrar que o Brasil está acompanhando as tendências globais”, mas serão necessários esforços de fiscalização.
“Se o projeto não for acompanhado de uma fiscalização rigorosa e de medidas para mitigar impactos ambientais e sociais, a credibilidade do Brasil será prejudicada”, disse.
Na avaliação de Lima, o crescimento espontâneo das fontes de energia termelétricas é improvável, porém, com a inclusão dos benefícios a essas fontes específicas, o avanço de sua utilização pode ocorrer através do lobby do carvão e do gás.
Energia termelétrica não deve ser força de demanda no Brasil
Atualmente, a maior fonte de geração de energia para o Brasil são as usinas hidroelétricas, e apesar de estar avançando na exploração de outras fontes sustentáveis, como as eólicas terrestres e as usinas de energia solar, quando há necessidade de maior esforço para garantir o suprimento da população, as termelétricas ainda são as fontes recorridas.
Esse método de geração energética é prejudicial não apenas ao meio ambiente, mas também para o bolso dos consumidores, por ser uma fonte mais cara, que exige mais insumos.
Analisando as pautas incorporadas pelo Congresso no PL 576/2021, o advogado especialista em Políticas Públicas e Mudanças do Clima, Marcello Rodante, afirmou que os incentivos criaram uma demanda artificial apenas para favorecer interesses regionais.
O especialista citou como exemplo a mineração de carvão em Santa Catarina. No entanto, o crescimento das tecnologias nesse segmento pode enfrentar barreiras econômicas e sociais, segundo Rodante.
“Fontes de energia renováveis como a solar e a eólica têm se tornado cada vez mais competitivas, especialmente com a integração de tecnologias de armazenamento e projetos como hidrogênio verde”, afirmou.
Além disso, um eventual impacto negativo dos combustíveis fósseis na tarifa de energia e o escrutínio internacional sobre as emissões de GEE (Gases do Efeito Estufa) podem limitar o uso de termelétricas no longo prazo.
Um dos caminhos possíveis para solucionar a dependência do Brasil à matriz energética fóssil e fortalecer a posição do País como um líder global no setor é o redirecionamento a outras redes de transmissão inter-regionais e infraestrutura melhor para as fontes de energia renováveis.
Ivana Cota, seguiu a mesma linha de análise, e esclareceu que além do custo mais alto das termelétricas, existe a pressão regulatória e ambiental, por conta dos compromissos assumidos pelo Brasil nos acordos internacionais, que barram o crescimento desse setor de energia.
“Sem contar a resistência certa que virá da sociedade e de investidores internacionais pela utilização de energia proveniente de fontes renováveis”, afirmou.
Mesmo com todas essas considerações, Rodante ainda avaliou que o PL 576/21 representa um marco regulatório essencial para a integração da eólica offshore com outros projetos, a exemplo do hidrogênio verde.