A possibilidade de fugir da conta de luz vem gerando uma corrida de consumidores residenciais para o crescente mercado de geração distribuída de energia no país, que hoje já conta até com aplicativo de celular para atrair novos clientes.
O movimento, porém, é alvo de protestos de distribuidoras e grandes consumidores, que questionam a legalidade do modelo de cooperativas de geração adotado por startups que atuam nesse segmento.
Segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o número de consumidores residenciais que geram parte de sua energia quase dobrou em 2020 e segue em crescimento acelerado em 2021.
No primeiro semestre, a média mensal de novos clientes desse segmento é 36,4% superior à verificada no ano anterior. A cada mês, 17,6 mil brasileiros decidiram apostar em geração própria neste ano.
A maioria ainda prefere a instalação do painel solar no telhado das residências, mas vem crescendo um novo mercado de cooperativa, que compreende a construção de fazendas solares para a entrega da energia a diversos clientes.
O negócio funciona como uma espécie de Uber da energia elétrica e vem atraindo uma série de startups, que injetam na rede a energia que produzem e depois dividem entre os cooperados os créditos que recebem da distribuidora de energia.
Com os créditos, o cliente ganha descontos na conta de luz. Uma das pioneiras nesse mercado, a Metha Energia promete até 15% de economia para clientes em Minas Gerais, estado que dá benefício tributário ao setor e tem hoje o maior número de residências com geração de energia solar.
A empresa tem mais de 50 mil clientes e já vê aumento nas consultas após as notícias de elevação da bandeira tarifária cobrada sobre a conta de luz. “Sempre que começa esse burburinho de que vai aumentar tarifa, os consumidores passam a pesquisar”, diz o presidente-executivo da Metha, Victor Soares.
Ele afirma que o papel da empresa é “dar match” entre os consumidores e 20 usinas geradoras de energia instaladas no estado.
Com operações em São Paulo, a Sun Mobi também opera via app, onde o cliente pode gerenciar ainda o consumo de sua residência, recebendo alertas quando se excede e sugestões para economizar.
“A procura cresceu 40% no último mês, mas não tenho mais energia”, diz Alexandre Bueno, sócio da Sun Mobi. A empresa tem capacidade para entregar até 1,4 MW (megawatts) e finaliza um plano de expansão, com a implantação de mais 6 MW em quatro anos.
“A explosão da tarifa está levando o consumidor, principalmente o cativo [aquele conectado a uma distribuidora], a buscar alternativas”, avalia Bueno. “O Brasil conseguiu entregar uma bomba tarifária mesmo em um cenário de queda da demanda.”
O crescimento da geração distribuída preocupa distribuidoras, que foram à Aneel questionar o modelo de negócios das startups. Para a entidade, o modelo seria uma “migração disfarçada” para o mercado livre, hoje limitado a consumidores com mais de 500 kWh (quilowatts-hora) por mês.
“É uma forma disfarçada de gerar comercialização de energia”, diz o presidente da Abradee (Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica), Marcos Madureira. “O que não é permitido, já que o mercado de baixa tensão não está aberto.”
Ele afirma que o cenário traz prejuízos aos consumidores que se mantêm com as distribuidoras, já que a energia gerada por essas usinas é isenta do pagamento pelo uso da rede e não paga alguns encargos cobrados sobre a conta de luz, como o que subsidia consumidores de baixa renda.
Os clientes da geração distribuída também não pagam as bandeiras tarifárias cobradas sobre a conta de luz para sustentar o uso de térmicas em momentos de seca sobre os reservatórios, como o atual.
“Se está usando a rede, teria que estar dividindo o custo da rede e dos encargos”, defende. “Se ele não paga, os demais pagam. Estamos subindo a tarifa dos consumidores de menor renda para que os de maior renda sejam beneficiados.”
A Aneel chegou a elaborar um plano de redução dos subsídios a esse tipo de geração, mas a proposta foi abortada no início de 2020, após resistência do presidente Jair Bolsonaro, que afirmou que não iria “taxar o sol”. O tema é debatido em projeto de lei que reduz os incentivos, implantando um cronograma para que esses consumidores paguem ao menos parte do uso da rede. Mas ainda não há consenso.
Com o agravamento da crise hídrica, o setor de energia solar vem defendendo a aprovação do projeto para aumentar a segurança do setor elétrico no futuro.
“A geração distribuída complementa a geração centralizada”, diz o presidente da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), Rodrigo Sauaia. “É tendência no mundo inteiro, mas no Brasil falta ainda um marco legal, uma política clara, transparente e segura.”
O texto apoiado pela Absolar prevê o pagamento de 27% da tarifa de uso da rede. As distribuidoras pedem 57%, mas as empresas do setor dizem que esse percentual inviabilizaria novos investimentos.
Sauaia diz que energia solar traz benefícios ao setor, tanto do ponto de vista ambiental quanto por estarem perto do consumo, reduzindo a necessidade de investimentos em grandes linhas de transmissão de energia.
Madureira reconhece os aspectos positivos, mas argumenta que caberia à Aneel calcular a contribuição do segmento no rateio das despesas do setor de energia a partir da avaliação de seus custos e benefícios. Outro problema, segundo o setor elétrico, é que o crescimento da geração renovável demandará mais energia firme, que pode ser gerada por hidrelétricas ou térmicas, para garantir o fornecimento em períodos de pouco sol ou vento.
Clientes de geração distribuída não pagam por essa energia, mas a consumirão quando necessário. Empreendedores reconhecem a necessidade de ajustes no modelo, mas defendem que sejam graduais, e não impeditivos à expansão de novos modelos de negócio.
“É natural essa resistência, as cabeças [do setor elétrico] não foram programadas para um ambiente em que tenha competição”, acrescenta Bueno.