RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Após vitória no debate sobre a prorrogação por 20 anos da Comgás, o grupo Cosan deve enfrentar agora uma batalha com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) envolvendo o gasoduto Subida da Serra, que liga o litoral à região metropolitana da capital.
A agência entende que o gasoduto não pode ser parte dos ativos da distribuidora e, sim, uma empresa separada de transporte de gás. Esse entendimento obrigaria a Compass Gás & Energia, subsidiária da Cosan para o setor de gás, a vender o ativo para se enquadrar nas regras estabelecidas pela Lei do Gás.
As conversas entre as duas partes ainda não foram iniciadas, mas a ANP não espera uma solução simples, com expectativa inclusive de que a questão seja judicializada no futuro, segundo pessoas ouvidas pela reportagem.
O gasoduto é parte fundamental na estratégia de São Paulo para criar uma “ilha de gás”, conectando as três distribuidoras de gás encanado do estado diretamente a uma fonte de suprimento do combustível, projeto questionado pelo Ministério da Economia e pelo setor de gás natural.
O plano prevê a construção de um terminal de importação de gás e, depois, de um gasoduto ligando o pré-sal ao litoral paulista, para fornecer o combustível para as distribuidoras do estado, via o novo gasoduto, que já está em obras.
O governo João Doria (PSDB) defende que esse modelo reduziria o custo do gás natural no estado e permitiria novos investimentos em ampliação da rede, como os R$ 21 bilhões que constam do projeto de prorrogação da concessão da Comgás.
Para isso, editou um decreto em julho que classificou como ativos de distribuidoras gasodutos que liguem pontos de suprimento de gás ao mercado. Assim, esses projetos poderão ser autorizados por órgão regulador estadual e seu custo é cobrado na tarifa de gás.
A norma, porém, contraria a Lei do Gás, que classifica gasodutos destinados “à movimentação de gás natural ou à conexão de fontes de suprimento” como gasodutos de transporte, etapa da cadeia regulada pela União e não pelos estados. Estes levariam o combustível até a malha das distribuidoras.
“Na avaliação da Agência, a instalação, por ter natureza nítida de um gasoduto de transporte, sendo, portanto, monopólio da União, está sob a competência federal e, por isso, a regulação e fiscalização de sua construção e operação são de responsabilidade da ANP”, disse a agência, em nota divulgada na semana passada.
Assim, acrescenta, “a ANP entende que não cabe à Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) aprovar a implantação do gasoduto”.
A Lei do Gás define que empresas que vendem gás não podem ter participação em gasodutos de transporte, medida aprovada sob a justificativa de evitar a verticalização e permitir maior competição no setor.
Mesma visão que levou o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a obrigar a Petrobras a vender seus gasodutos –duas das três principais malhas do país já foram transferidas à iniciativa privada, faltando apenas o Gasbol (Gasoduto Bolívia Brasil).
Isto é, ao ser classificado como gasoduto de transporte, o Subida da Serra não poderá se operado pela Compass, que atua na venda de gás natural. Caso o entendimento da ANP prevaleça, a companhia terá que vender o ativo.
Nesta sexta (1º), o governo de São Paulo assinou a prorrogação da concessão da Comgás, processo polêmico que enfrenta resistência de setores da indústria e das empresas de petróleo e gás, que temem concentração de poder nas mãos do grupo Cosan com menor competição pelo maior mercado do país.
A Seae (Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade) do Ministério da Economia calcula que a separação de São Paulo do resto da malha brasileira de gás elevaria em até 28% a tarifa de transporte do combustível para outros estados, já que a rede operaria com maior ociosidade.
Em carta aberta divulgada na semana passada, quatro associações ligadas a consumidores, transportadores e produtores de gás dizem esperar “a definição célere de medidas cautelares que impeçam o avanço do projeto evitando maiores prejuízos ao mercado e aos consumidores de gás natural.”
A situação ganha ainda mais peso, segundo os críticos, após a conclusão de negociações para a compra da Gaspetro pela Compass, o que garante ao grupo Cosan fatia em outras 19 distribuidoras estaduais de gás encanado, com poder de decisão sobre dois terços do volume de gás vendido em todo o país.
“A abertura do mercado brasileiro de gás natural é um projeto de longo prazo, que precisa da ação coordenada e harmoniosa das autoridades federais e estaduais, do envolvimento dos agentes dos diversos elos da cadeia, e de uma ampla discussão com a sociedade, em prol do desenvolvimento do país”, afirmam as associações em sua carta aberta.
A Compass não quis comentar o assunto. A Arsesp não respondeu ao pedido de esclarecimentos até a publicação deste texto.