SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As entidades da construção civil e da incorporação imobiliária foram convidadas a participar do manifesto que pede a harmonia dos Poderes, mas ficaram divididas. Muitos dirigentes optaram por posturas mais discretas e rejeitaram o convite feito pela Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo). Outras ainda avaliam se vão aderir.
A Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) avisou publicamente que não vai assinar. A Abrainc, associação que reúne as 20 maiores incorporadoras do país, prefere nem falar sobre o tema.
Segundo um executivo do setor, que pediu para não ter o nome revelado, nos grupos de mensagens de empresários, apenas de 10% a 15% dos participantes estariam entusiasmados com a possibilidade de aderir a esse tipo de publicação.
A Folha de S.Paulo apurou que mesmo lideranças que já assumiram posicionamentos críticos ao governo Jair Bolsonaro definirão que não assinarão o manifesto para evitar fechar portas no governo.
O anúncio de que Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil deixariam a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) acendeu um alerta para as entidades. O sinal foi o de que participar de qualquer movimento, mesmo de caráter brando, poderia representar o fim do diálogo com ministros e secretários de pastas estratégicas para o setor.
José Carlos Martins, da Cbic, esteve com o ministro Paulo Guedes, da Economia, há alguns dias, com quem reforçou os pleitos do setor para reduzir o imposto de importação do aço para construção e a redução das barreiras técnicas por um ano.
Na semana passada, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o secretário Nacional de Habitação, Alfredo dos Santos, participaram de uma reunião com as incorporadoras ligadas à Abrainc.
Martins, da Cbic, diz não ver motivos para a adesão ao manifesto. Na avaliação dele, não há “mínima chance” de ruptura institucional. “Nosso setor trabalha olhando para o médio e longo prazo, e nunca estivemos tão fortes. Ninguém está nem aí para isso, as empresas estão lançando mais. Ninguém é louco de achar que alguma ruptura pode acontecer.”
No sábado (28), em mais uma série de afirmações vistas como golpistas, Bolsonaro disse que “não deseja provar rupturas, mas tudo tem um limite”. Durante culto da igreja Assembleia de Deus, projetou três cenários para o futuro: “Estar preso, ser morto ou a vitória”.
Para Martins, as afirmações são bravatas. “Se ele tensionar, não vai acontecer nada. Ele fala esse tipo de coisa para os 20% do eleitorado dele”, diz o presidente da Cbic.
“Ele fala isso e, no entanto, democraticamente pediu o impeachment do [ministro do Supremo Tribunal Federal] Alexandre de Moraes. [O presidente do Senado, Rodrigo] Pacheco [DEM-MG] negou e o que aconteceu? Nada, é da democracia”, afirma. “Claro que a gente tem que ficar atento, mas não vai dar em nada.”
Outro dirigente ouvido pela reportagem diz que as demandas do setor imobiliário são levadas diretamente para o governo de “maneira construtiva”. Por isso, não haveria por que levar para a imprensa uma discussão que pode ser feita de modo privado, ainda que as volatilidades sejam vistas como desfavoráveis para o segmento.
Segundo a reportagem apurou, entidades optaram também por não criticar a publicação do documento encabeçado pela Fiesp, como meio de não se indispor com os associados, uma vez que muitos estão descontentes com as políticas do governo para o setor.
O programa que sucedeu o Minha Casa, Minha Vida, batizado de Casa Verde e Amarela, está praticamente parado. Mais de 90% do orçamento previsto para os subsídios foi vetado por Bolsonaro. De R$ 2,1 bilhões previstos inicialmente, R$ 2 bilhões foram cortados para que o governo viabilizasse a aprovação da lei orçamentária deste ano.
Do que sobrou para o programa de habitação, a maior parte do dinheiro já foi usado. Sem crédito suplementar, o caixa estará zerado em setembro. Segundo o Ministério de Desenvolvimento Regional, há cerca de 1.600 obras em andamento. São 230 mil unidades residenciais em construção.
Em São Paulo, o Sinduscon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil) marcou para a tarde desta segunda-feira (30) uma reunião para definir se assinaria ou não o manifesto. Inicialmente, os diretores concordam com o teor do documento, mas ainda estavam em dúvida quanto ao uso político do posicionamento.
Outros sindicatos e entidades do setor imobiliário ainda aguardavam a versão final do manifesto -cuja publicação havia sido suspensa pela Fiesp- para decidir. Uma preocupação de dirigentes ouvidos pela reportagem é a de que o documento vire uma plataforma político-eleitoral de Paulo Skaf, presidente da Fiesp.
Num momento de grande expectativa quanto à viabilização de uma terceira via para as eleições de 2022, assinar um documento encabeçado por uma liderança com pretensões eleitorais deixou empresários desconfortáveis.