Debate sobre renovação da Comgás opõe poder público a consumidores

Concessão da Comgás vence em 2029; o governo de São Paulo incluiu no contrato investimentos de R$ 4,1 bilhões entre 2024 e 2029

Audiência pública para debater a prorrogação por 20 anos da concessão da Comgás nesta sexta-feira (30) foi marcada por um embate entre o poder público e consumidores da distribuidora de gás encanado, principalmente os industriais.

O governo João Dória (PSDB) e a Comgás defendem que a operação beneficia o consumidor paulista ao garantir maiores investimentos e alterar o indexador dos reajustes tarifários para o IPCA. Foram apoiados na audiência por prefeitos de cidades da área de concessão.

“Os ganhos são relevantíssimos”, disse o prefeito de Cubatão, Aldemário da Silva Oliveira. A cidade deve ser beneficiada pelos investimentos prometidos no novo contrato, que preveem um gasoduto subindo a serra para levar gás a São Paulo.

A concessão da Comgás vence em 2029. Para aprovar a prorrogação, o governo de São Paulo incluiu no contrato investimentos de R$ 4,1 bilhões entre 2024 e 2029, período em que a concessionária teria que gastar apenas R$ 360 milhões pelo contrato atual.

Para o restante da concessão, entre 2025 e 2049, seriam mais R$ 21 bilhões. O responsável pela área de petróleo e gás da Secretaria de Infraestrutura de São Paulo, Ricardo Cantarani, defendeu que os aportes são fundamentais para viabilizar a produção de campos do pré-sal no litoral paulista.

Segundo esse argumento, a expansão da rede da Comgás justificaria os investimentos em um gasoduto para trazer o gás do alto-mar ao continente. “A gente tem hoje janela de oportunidades finita e temos que aproveitar”, afirmou.

Além do gasoduto subindo a serra, o plano de investimento do novo contrato prevê a expansão das operações para 14 novos municípios da área de concessão, que abrange as regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas.

O consultor Gesner Oliveira, da GO Associados, afirmou que os aportes previstos nos próximos anos representariam um acréscimo de R$ 11,2 bilhões ao PIB de São Paulo, com a geração de 44 mil empregos e o pagamento de mais de R$ 1 bilhão em salários.

“Por tudo o que foi dito e apresentado, nos manifestamos favoravelmente a que essa concessão seja prorrogada”, disse o presidente da Associação de Paulista de Municípios, Frederico Guidoni, ex-prefeito de Campos do Jordão.

Governo e empresa defendem que os investimentos garantirão melhores tarifas ao consumidor, mas os grandes consumidores dizem não ter tido acesso a estudos que comprovem a alegação e pedem mais tempo para debater o tema.

A Abividro (Associação da Indústria do Vidro) obteve liminar judicial garantindo mais 120 dias para o debate, que se encerraria nesta sexta. Outras associações como a Abrace, que reúne os grandes consumidores de energia, e a Abiquim, da indústria química, também querem mais tempo.

“Não somos contra [a prorrogação], entendemos que Comgás é uma empresa de qualidade, que sempre atendeu os consumidores de uma forma correta, mas queremos ter condições de contribuir de forma efetiva com todos os pontos colocados”, disse o superintendente da Abividro, Lucien Belmonte.

“Ninguém é contra investimento, o ponto é a prudência dos investimentos”, reforçou o gerente de Gás Natural da Abrace, Adrianno Lorenzon. “Porque o dinheiro dos investimentos não é da concessionária, o que ela investe sai do consumidor.”

Os consumidores industriais temem que o elevado volume de investimentos se reflita em maiores tarifas, caso seja não se reflita em aumento no consumo de gás no estado. O preço do combustível vem em curva ascendente, acompanhando a desvalorização do real e a recuperação do petróleo.

Em maio, as tarifas foram elevadas, em média, em 10%, pressionado pela alta de 39% no preço do gás natural vendido pela Petrobras. A alta seria de 34%, mas governo e concessionária acordaram mudar o indexador do reajuste do IGP-M para o IPCA.

O IPCA será o indexador do novo contrato, o que é usado pelo governo e pela empresa como mais um argumento de que a renovação da concessão é benéfica ao consumidor. A proposta prevê ainda renúncia de R$ 1,5 bilhão que a empresa diz ter a receber dos consumidores por erros em reajustes passados.

A indústria alega, porém, que esses valores ainda estão sendo discutidos na Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) e, por isso, não é possível definir ainda o montante da renúncia.

“A prorrogação do contrato de concessão é muito importante para o futuro energético de São Paulo”, defende a Comgás, em resposta a questionamentos da reportagem sobre o tema, alegando que a indústria de gás natural demanda investimentos de longo prazo e previsibilidade.

“Somente com previsibilidade é que os investimentos poderão ser planejados na dimensão das necessidades da área de concessão da Comgás”, diz a empresa. “E a tendência, ao se aproximar do término do período de concessão, é de diminuição de novos investimentos.”

“Um eventual leilão, ao fim do período inicial de concessão, poderia trazer para a gestão da companhia eventualmente um outro agente privado sem a mesma expertise, qualidade e competência comprovada que o grupo Cosan já demonstrou ? e entregou com números”, afirma a companhia.

Na decisão que estendeu o prazo para debate sobre o tema, o desembargador Alves Braga Junior, do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirmou que, pelo porte e duração do contrato de concessão, o prazo inicial definido pela Arsesp poderia inviabilizar a participação da sociedade no debate.

“Para análise de assunto tão complexo, de cunho técnico e de amplo interesse da sociedade, considerando-se, inclusive, que o contrato vigorará por 20 anos, o prazo de 31 dias se mostra exíguo”, escreveu.

 

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