SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O mercado bilionário de cosméticos e cuidados pessoais no Brasil ganha nesta quarta-feira (10) a marca que pode ser tratada como uma das mais exclusivas da prateleira. A francesa Hermès, terceira grife de luxo mais valiosa do mundo segundo ranking da Interbrand, inicia no país as vendas de sua primeira linha de beleza lançada em 183 anos de história.
Fruto de duas décadas de especulações e questionamentos da indústria sobre os porquês de o grupo nunca ter enveredado por essa fatia do segmento avaliado em US$ 380 bilhões, os batons, lápis, esmaltes e blushes são o pontapé de “um jogo que a Hermès entrou para jogar, não para ficar de fora”, segundo diz a presidente-executiva de perfumaria e beleza da marca, Agnès de Villers.
Em entrevista à Folha, a executiva explica que o atraso em relação às maiores concorrentes entre as casas de luxo, notadamente a Chanel e a Christian Dior, do grupo LVMH, tem a ver com a ideia da marca de “não se render às pressões externas” e a tentativa de “entregar produtos funcionais, mas que carreguem nossos valores”.
Entenda-se por essas diretrizes a obsessão da Hermès em manter cerca de 70% de seus produtos feitos dentro da empresa, com matéria-prima e produção próprias, dois fatores que mantêm a mítica de seu nome nas rodas da elite do consumo de luxo.
Se as clientes entram em filas por uma bolsa Birkin porque ela é feita à mão dentro dos ateliês da marca nos arredores de Paris ou compram um dos lenços de seda produzidos em Lyon devido à nota máxima dos fios feitos a partir de casulos brasileiros, a marca trabalhou para que paguem R$ 420 por um dos 24 tons de vermelho da primeira coleção de batons ou R$ 360 num frasco de esmalte por motivos similares.
Villers destaca que uma das primeiras preocupações foi transformar esses produtos em itens de moda. O designer de acessórios da marca, Pierre Hardy, adicionou ao trabalho de criador das joias e sapatos o de desenvolvedor das embalagens, feitas de alumínio e que teriam sete vezes mais durabilidade se comparado às de plástico usadas pelas concorrentes.
“Mesmo sabendo que as mulheres às vezes mantêm mais de 15 batons, quisemos embalagens de refil porque podem ser recicladas indefinidamente”, diz, acrescentando que, do ponto de vista sustentável, “não há no mercado fórmulas que misturem químicos e ativos naturais como fizemos”.
É sabido que produtos biocosméticos, uma corrente pujante da indústria cuja receita mundial é estimada em US$ 35 bilhões por ano, não carregam muitos ativos na receita devido ao peso das moléculas.
Boa parte do tempo gasto pela Hermès nos laboratórios, então, foi dedicado a pesquisas para criar fórmulas que unissem a tecnologia química aos ativos naturais de forma harmônica, o que rendeu aos produtos diferenciação e o selo da certificadora global de orgânicos Ecocert.
Esforços como o de manter uma plantação própria de sândalo na Austrália ou uma fórmula única de extrato de amora não só posicionam a marca na linha de frente da produção sustentável da indústria do luxo como também criam um novo produto de entrada apoiado na mítica de exclusividade.
“É preciso lembrar que a Hermès é, primeiramente, uma casa de objetos. Então, queríamos trazer algo que realmente fizesse sentido. Ao mesmo tempo, não queríamos lançar objetos que fossem 20 vezes o preço de um batom. Acho que chegamos a valores justos”, diz Villers.
Se será visto como justo no Brasil, o quarto maior consumidor de cosméticos e perfumaria do mundo, ainda é cedo dizer, mas desde que foi lançada em países da Ásia e nos Estados Unidos, a divisão inaugurada em março de 2020, ou seja, no início da pandemia de Covid-19, ajudou a empurrar as cifras da grife para o alto.
No quarteto fantástico do luxo, um posto que divide com o primeiro lugar, a Louis Vuitton, a vice, Chanel, e a quarta colocada, a italiana Gucci, a Hermès foi a única que não perdeu valor de mercado no ano passado. O último trimestre encerrou com crescimento de 31% nas vendas em relação ao mesmo período do ano anterior e 40% no comparativo com dois anos atrás, num total de mais de 6,6 bilhões de euros (R$ 42 bilhões) gerados nos caixas das lojas e na plataforma de ecommerce.
O relatório aponta como um dos impulsionadores da performance o lançamento, em julho, da linha de beleza na China -mercado onde os homens respondem por 20% das vendas do creme para a mãos da marca. Villers indica que isso é um reflexo do que ela espera para o próximo ano, quando planeja integrar ao portfólio de beleza um projeto para o mercado masculino.
“Não somos uma marca essencialmente feminina, estamos mais para agênero. Não escolhemos quem consumirá nossos produtos. Os ‘lip balms’, por exemplo, fazem sucesso entre os homens”, revela, sem dar detalhes sobre o consumo por região.
Ela adianta, porém, ser possível prever que um dos chamarizes da nova linha no mercado brasileiro sejam as cores, retiradas das nuances impressas nos “carrés” de seda e nos tons dos itens de couro icônico da empresa. Uma manicure paulista radicada em Paris, Villers revela, testou os esmaltes grifados. E aprovou.
“Diferentemente de outras marcas, não fazemos pesquisas de mercado, porque preferimos centrar mais no espectro criativo do que nos ‘benchmarks’ do mercado. Mas, é claro, consultamos especialistas de diversas origens para que avaliem a textura e a usabilidade dos produtos. Acredito que as cores, mais intensas, vão agradar aos brasileiros”, afirma.
E mesmo numa indústria competitiva como a dos trópicos, onde florescem dezenas de pequenas marcas voltadas ao ramo da beleza, Villers, que já chefiou operações da MAC e da L’Oreal, aposta na diferenciação para jogar o jogo que até celebridades jogam. A cantora Rihanna, por exemplo, tem a Fenty Beauty, e a modelo Kylie Jenner, a bilionária Kylie Cosmetics.
“Hoje, a maquiagem é o playground do mundo, porque quase tudo é possível de ser lançado. O que aprendi é que leva tempo para cultivar expertise. Não estamos nessa para fazer ‘fast beauty’ [beleza rápida], mas talvez uma ‘slow beauty’, que leva tempo. Isso não significa ser ‘low profile’, mas sim fazer as coisas do nosso jeito.”