RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Os reflexos da escalada da inflação no Brasil vão além da onda de revisões para cima no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de 2021.
Produtos e serviços devem permanecer pressionados no curto prazo, em meio a um contexto de dólar alto, incertezas fiscais e retomada do setor de serviços.
O quadro traz o risco de a inflação se espalhar ainda mais pela economia, pelo menos até a largada de 2022, comprometendo o desempenho da atividade econômica, apontam analistas.
A preocupação ganhou força nesta quarta-feira (10), após a divulgação do IPCA de outubro. No mês passado, o indicador oficial de inflação subiu 1,25%, acima das projeções do mercado.
A taxa é a maior para outubro desde 2002, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Com o resultado, a inflação acumulada em 12 meses permanece acima de dois dígitos, alcançando 10,67%.
Trata-se do maior acumulado desde janeiro de 2016 (10,71%), quando a economia brasileira amargava recessão.
“Estamos caminhando para uma inflação de dois dígitos ao final de 2021. Isso coloca muitas dificuldades para 2022”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
“O câmbio continua pressionado, temos um cenário de muitos desafios fiscais, e o governo não sinaliza uma correção de rota. O problema da inflação neste patamar é que ela pode se espalhar ainda mais.”
O avanço do IPCA em outubro foi acompanhado por altas nos preços dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados pelo IBGE.
O destaque veio dos transportes. Esse segmento teve a maior variação (2,62%) e o principal impacto no índice do mês (0,55 ponto percentual).
Dentro de transportes, a gasolina avançou 3,10%. Assim, teve a principal contribuição individual (0,19 ponto percentual) no IPCA de outubro.
Em novembro, a gasolina deve voltar a pressionar o IPCA, aponta o economista André Braz, pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas). Isso deve ocorrer porque, no final do mês passado, a Petrobras anunciou um novo reajuste nas refinarias. O óleo diesel também subiu na ocasião.
A política de preços da estatal leva em consideração as cotações do petróleo no mercado internacional, que saltaram com a reabertura da economia global, e a variação do dólar.
A moeda americana, cita Braz, vem subindo diante da turbulência política no Brasil e das incertezas fiscais.
As dúvidas com o rumo das contas públicas ganharam força nas últimas semanas, após o governo Jair Bolsonaro (sem partido) decidir driblar o teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil.
“A grande questão é a incerteza fiscal. Há uma inércia inflacionária muito grande no país. A gente vai levar o efeito de alguns reajustes deste ano para 2022”, define Braz.
“Por exemplo, as tarifas de ônibus urbanos devem ter revisão com o preço do diesel mais alto”, completa.
O economista relata que, além dos combustíveis, itens como a energia elétrica devem continuar pressionando o bolso dos consumidores entre o final de 2021 e o início de 2022.
A bandeira de escassez hídrica, que encarece a conta de luz, deve vigorar até abril do próximo ano.
Combustíveis e energia elétrica em nível elevado aumentam os custos de operação de empresas, que podem repassá-los para bens e serviços vendidos ao consumidor.
“A energia elétrica só deve ficar mais baixa a partir de maio”, diz Braz.
Em outubro, o segundo maior impacto individual no IPCA de outubro veio das passagens aéreas: 0,15 ponto percentual. O item subiu 33,86% no mês passado.
“A depreciação cambial e a alta dos preços dos combustíveis, em particular do querosene de aviação, têm contribuído com o aumento das passagens aéreas”, relatou Pedro Kislanov, gerente da pesquisa do IPCA.
“A melhora do cenário da pandemia, com o avanço da vacinação, levou a um aumento no fluxo de circulação de pessoas e no tráfego de passageiros nos aeroportos. Como a oferta ainda não se ajustou à demanda, isso também pode estar contribuindo com a alta dos preços”, completou.
Após a divulgação do IPCA de outubro, analistas e instituições financeiras passaram a prever inflação acumulada de dois dígitos, no patamar de 10%, até o final de 2021.
Vale, da MB Associados, lembra que, em razão da carestia de bens e serviços, o BC (Banco Central) terá de promover novos aumentos na taxa básica de juros, a Selic. Os juros mais altos jogam contra o consumo das famílias e os investimentos de empresas.
Ou seja, há um desafio adicional para o crescimento da atividade econômica em 2022, ano eleitoral. A MB projeta estagnação (0%) do PIB (Produto Interno Bruto) no próximo ano, mas não descarta uma recessão -queda do indicador.
Além das dificuldades internas, existem ainda riscos no cenário externo. Isso ocorre porque os preços também vêm ganhando força em outros países.
A inflação ao produtor na China, por exemplo, atingiu a máxima em 26 anos em outubro. Os preços do carvão dispararam em meio à crise de energia no centro industrial do país asiático.
José Ronaldo Souza Júnior, diretor do Ipea e professor do Ibmec-RJ, avalia que a inflação no Brasil deve continuar pressionada entre o final de 2021 e o começo de 2022. Ele relata que a volta do setor de serviços é um elemento a mais de impacto no IPCA neste momento.
Apesar disso, o analista projeta uma trégua nos preços ao longo do próximo ano, devido a fatores como os juros mais altos e melhores condições hídricas, que podem baixar a conta de luz.
Neste século, o maior IPCA acumulado em 12 meses foi registrado pelo IBGE em maio de 2003. À época, o índice de inflação chegou a 17,24%.
“Chegar a um patamar como esse seria uma tragédia que ainda não está no radar. A política monetária vem aplicando um remédio [alta dos juros] para conter a inflação. O problema é que esse remédio também afeta a atividade econômica”, analisa Braz, do FGV Ibre.