A Seae (Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade) do Ministério da Economia avalia que a renovação da concessão da Comgás nos termos propostos pelo estado de São Paulo reduzirá a competição no setor de gás e impactará as tarifas pagas por consumidores de outros estados.
A análise está em parecer entregue pela Seae à Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos de São Paulo) durante consulta pública para debater a proposta de dar à Cosan mais 20 anos de concessão dos serviços de gás canalizado da região metropolitana de São Paulo.
A Seae focou seus questionamentos no projeto do gasoduto Subida da Serra, principal investimento do novo contrato de concessão proposto, que levará à área da concessionária gás natural importado pelo litoral paulista ou produzido na Bacia de Santos.
O contrato prevê ainda a interconexão das três concessionárias de gás de São Paulo, formando o que o que o mercado chama de “ilha de gás”. O governo João Doria (PSDB) defende que esse processo garante flexibilidade e menores preços para os consumidores do estado.
Para a Seae, porém, a proposta contraria a legislação ao permitir a construção de um gasoduto de transporte sem autorização da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) e terá consequências sobre todo o mercado brasileiro de gás.
“Em que pese inicialmente os investimentos de conexão direta da malha de distribuição às fontes de suprimento ocasionarem a redução do custo do gás para o consumidor de SP; posteriormente, há que se refletir sobre o aumento do custo do gás para os demais mercados que continuarão a utilizar a infraestrutura de transporte [do país]”, diz o texto.
A secretaria do Ministério da Economia explica que a tarifa de transporte de gás está relacionada aos volumes movimentados pelos grandes gasodutos brasileiros. Com a retirada dos 16 milhões de metros cúbicos consumidos em São Paulo dessa conta, a tarifa para os demais usuários subirá 28%.
A Seae diz também que o projeto garante ao mesmo grupo econômico toda a estrutura de importação e transporte do gás ao interior do estado, o que pode limitar a competição pelo fornecimento do combustível.
Braço da Cosan para o mercado de gás natural, a Compass Gás e Energia controla a Comgás e lidera os projetos de construção de um terminal de importação de gás liquefeito e de um duto liguando reservas do pré-sal ao litoral paulista.
A empresa está comprando ainda a participação da Petrobras na Gaspetro, empresa que tem presença em 19 distribuidoras estaduais de gás canalizado. Com a operação, passa a ter gestão sobre dois terços do volume de gás negociado no país.
“Essa conexão restringe a concorrência na venda de gás, uma vez que tende a isolar os consumidores paulistas com suprimento por determinadas fontes de oferta, limitando os ganhos concorrenciais e, consequentemente, de eficiência econômica”, diz a secretaria, em seu parecer.
A proposta da “ilha de gás” já vinha sendo questionada por grandes consumidores do combustível, transportadores de gás e produtores de petróleo.
A concessão da Comgás vence em 2029. Para aprovar a prorrogação, o governo de São Paulo incluiu no contrato investimentos de R$ 4,1 bilhões entre 2024 e 2029, período em que a concessionária teria que gastar apenas R$ 360 milhões pelo contrato atual.
Para o restante da concessão, entre 2025 e 2049, seriam mais R$ 21 bilhões. A Secretaria de Infraestrutura de São Paulo defende que os aportes são fundamentais para viabilizar a produção de campos do pré-sal no litoral paulista.
Em audiência pública sobre o tema no fim de julho, houve embate entre o poder público e consumidores da distribuidora de gás encanado, principalmente os industriais. Enquanto prefeitos e parlamentares se posicionaram a favor, os últimos questionaram a pressa no processo.
A Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) também vem apoiando publicamente a renovação, que foi proposta pela própria Comgás em 2019. “O momento é oportuno. O atual concessionário demonstrou expertise no negócio”, escreveu nesta Folha Carlos Cavalcanti, um dos vice-presidentes da entidade.
Os consumidores questionam outros pontos do projeto, como cálculos de valores devidos à concessionária por erros em revisões tarifárias e pedem mais tempo para analise de todas as informações.
No período de consulta pública, ganharam o apoio do Ministério Público de São Paulo, que afirmou que o prazo atual “é diminuto para uma questão tão complexa” e pediu mais 120 dias para debates.
Em nota, a Arsesp informou que a consulta pública ainda está em andamento e que a agência irá avaliar todas as contribuições recebida antes de finalizar o relatório, e que não cabe neste momento fazer declarações específicas sobre o tema.