SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma das maiores gestoras de recursos do mercado brasileiro, a Kinea Investimentos fez recentemente sua estreia no universo das criptomoedas.
Marco Aurélio Freire, sócio e gestor dos fundos líquidos da Kinea, conta que há cerca de dois meses a gestora aportou um pequeno valor, ainda de caráter experimental, no criptoativo ether, negociado pela plataforma Ethereum.
“Vejo as criptomoedas como uma tendência secular em que vale a pena ter uma exposição”, afirma o gestor da Kinea, primeira casa desse porte no Brasil a anunciar publicamente o investimento em criptomoedas.
No fim de setembro, a empresa de gestão de recursos controlada pelo Itaú somava cerca de R$ 56,6 bilhões em ativos.
Freire diz que a tecnologia do blockchain tem criado um poderoso processo de descentralização do setor financeiro global ainda difícil de saber onde vai parar, mas que, na avaliação do gestor, faz sentido ter na carteira.
“As pessoas geralmente confundem criptomoedas com bitcoin, só que no mercado de criptomoedas tem muito mais coisa do que só o bitcoin”.
Ele aponta iniciativas nos campos esportivos e artísticos que têm sido cada vez mais comuns por meio dos NFTs [non-fungible token], criptoativos negociados pela plataforma Ethereum.
Em recente artigo, os gestores da Kinea já haviam apontado que, pelo fato de o bitcoin ter sido a primeira criptomoeda, seu design é relativamente simples em comparação aos pares que vieram a reboque.
Criptoativos mais modernos e eficientes resolveram problemas de escalabilidade e de impacto no meio ambiente, apontaram os especialistas na publicação.
“Acreditamos que moedas e protocolos mais desenvolvidos devam ser mais atraentes para os investidores”, dizem os gestores no artigo.
Segundo eles, a adoção de regulações sobre criptoativos pode ser um fator positivo para a evolução do negócio, na medida em que poderia abrir espaço para investidores institucionais com altos volumes financeiros.
No início do mês, o bitcoin chegou a superar a marca de US$ 50 mil (R$ 275,7 mil) pela primeira vez em quatro semanas, ampliando a série de ganhos iniciada no começo de outubro, embalado por um ambiente de liquidez ainda abundante nos mercados.
“Hoje a economia americana está muito aquecida, com condições financeiras que são quase as mais frouxas de todos os tempos. Essa divergência pode criar muitos problemas para o cenário internacional e para o Brasil também”, afirma Freire.
O gestor faz uma analogia do momento da economia americana com a situação em que um sapo na panela de água quente só percebe tarde demais o aumento da temperatura.
Segundo Freire, pequenas empresas estão precisando aumentar os salários para conseguir contratar, enquanto os preços no mercado imobiliário já acumulam uma alta de quase 20% nos últimos 12 meses.
Frente a um cenário beirando o superaquecimento na região, o gestor da Kinea diz que uma das principais apostas na carteira dos fundos multimercados está hoje em posições que se beneficiam de um aumento dos juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), necessário para controlar a pressão inflacionária.
“Parte do mercado imaginava que a inflação de bens era temporária, por conta de uma ruptura do lado da oferta que rapidamente iria se normalizar, mas a questão é que tivemos uma demanda por bens como nunca se viu antes”, diz o especialista, em referência aos gargalos em diversas etapas da cadeia produtiva global.
Em um ambiente de aumento dos juros para conter o ímpeto de gastar dos americanos, a percepção na Kinea é que ações de algumas empresas do setor de consumo discricionário nas Bolsas americanas podem vir a passar por maus bocados.
Por conta disso, Freire afirma que tem posições “vendidas”, ou seja, que vão retornar lucro se os preços dessas ações caírem. Ele acrescenta, contudo, ter uma visão mais positiva em relação às grandes empresas americanas de tecnologia, como Facebook e Google.
Tem também apostado na desvalorização de moedas de países exportadores de commodities, como da Austrália e da África do Sul, devido à desaceleração da China.
Já o rublo russo é uma das moedas preferidas do gestor, que vê a Rússia em uma situação fiscal “excepcional”, sendo um dos principais países exportadores de petróleo e gás natural para a Europa.
No caso do real, a avaliação é que a alta dos juros em curso pelo Banco Central pode contribuir para alguma apreciação da divisa ante o dólar.
No entanto, diante de uma série de incertezas para o cenário político e econômico no país, o gestor diz que no momento não tem grandes apostas em relação à moeda local.
“O Brasil vai ter dificuldade para navegar nesse cenário internacional. O país precisaria estar muito mais forte do que está”, afirma Freire, que faz referência às dúvidas dos investidores sobre temas como a prorrogação do auxílio emergencial e o pagamento dos precatórios.
O gestor diz não ter nenhuma grande posição estrutural no mercado brasileiro, apenas com apostas pontuais de caráter mais tático em algumas ações preferidas na Bolsa.
Em publicação no mês de agosto, a gestora apontou Porto Seguro, Assaí e Hapvida como nomes na Bolsa em que enxerga maior resiliência do que a média do mercado para atravessar um ambiente doméstico de maior incerteza à frente.
De toda forma, dentro das carteiras globais, a maior parte dos investimentos -cerca de 70% do risco dos fundos multimercados da gestora- estão voltados às apostas no mercado internacional, com os 30% restantes nos ativos locais.
“A diversificação internacional será cada vez mais necessária até termos uma clareza sobre as eleições”, afirma Freire.