Recuperação judicial se tornou um termo comum no cenário corporativo do Brasil com um número crescente de empresas endividadas. A Lei de Falências (PL 3/24) lança sobre os especialistas uma divergência quanto aos efeitos nos processos.
O PL já foi aprovado na Câmara de Deputados e aguarda passagem pela Casa dos senadores. A aposta do governo federal é que o projeto melhore o ambiente de crédito do Brasil, com duas inovações: a figura do gestor fiduciário e o plano de falências.
No entanto, o fato da lei não ter sido amplamente debatida com os principais agentes econômicos e especialistas da área acendeu um alerta negativo entre alguns profissionais.
Carlos Tortelli, especialista em auditoria, controladoria e gestão de negócios, disse ao BP Money que há temores de que o PL 3/24 gere um caos nas falências do Brasil.
“As mudanças são profundas. Mexem com a forma, o que poderá inviabilizar o próprio andamento das falências e recuperações judiciais, em razão de limitar sobremaneira o número de processos que um determinado Administrador Judicial (AJ) pode atuar”, explicou.
Segundo ele, a limitação do tempo de trabalho do Administrador Judicial a 3 anos – no mesmo processo – também dificulta os processos, pela necessidade de adequação e reestudo a cada nova nomeação.
“Existe uma “intenção” em tornar mais célere o andamento dos processos, como se a principal causa da demora fosse o administrador judicial”, afirmou.
Na contramão, Rodrigo Negrini, especialista em finanças e CEO da Soul Capital, vê os impactos da Lei com otimismo. Sobretudo por causa da figura do gestor fiduciário, que, ao ser nomeado pelos credores, pode alinhar melhor seus interesses na Recuperação Judicial.
Para ele, a transferência do processo à iniciativa privada elimina a burocracia e a resolução segue melhor os interesses dos credores.
“No final das contas, ao melhorar o ambiente da cobrança na recuperação judicial, os credores terão mais disposição em dar mais crédito, estimulando o ciclo”, expressou.
Varejo e agronegócio são os mais propícios à recuperação judicial
Negrini frisou que o contexto de pedidos de recuperação judicial no Brasil tem tido um crescimento “brutal” em números. Somente entre janeiro de 2023 e 2024, a quantidade de processos abertos avançou 62%, segundo o especialista.
“Há vários setores implicados, mas tem chamado atenção o setor agrícola, o varejo de forma geral também sofreu muito em seus diversos subsegmentos”, ressaltou.
Tortelli concorda com ambas as indicações sobre os setores. Para ele, os olhares do mercado voltam-se ao varejo pelos elevados prejuízos das empresas. E, em outra linha, o agronegócio sofre com a perda de valor das commodities e safras frustradas pela crise climática.
A tramitação do PL 3/24 pode causar prejuízos, antes não considerados, às empresas em processo de recuperação judicial.
Tortelli alerta que eles são diversos, sobretudo pela aceleração dos meios de alienação de ativos, privilegiando credores específicos e mais bem colocados, em detrimento dos “menores”.
Até então, alegou ele, os agentes do judiciário, da OAB e entidades do setor foram os que se movimentaram para alertar quanto aos riscos do PL.
Ademais, observando o curto prazo do ambiente falimentar brasileiro, Negrini reforçou o pessimismo para uma reversão do quadro de recuperações judiciais, pois a redução da Selic (taxa básica de juros) não deve vir como o esperado.
“Dado a fragilidade da questão fiscal no atual governo, associada a questões econômicas globais, isso pode ser um estimulador de mais empresas em dificuldade de honrar seus compromissos e, portanto, recorrendo à proteção contra credores”, finalizou ele.