Com a atividade econômica das principais potências do mundo em desaceleração, nos últimos meses, a possibilidade de uma recessão virou pauta nas reuniões de autoridades monetárias do mundo inteiro. Apesar de especialistas do mercado especularem esse movimento econômico, o economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, disse que não vê uma recessão global a caminho e sim uma economia global “crescendo abaixo do potencial”.
Em entrevista ao BP Money, Felipe Salles destacou que “dois PIBs negativos nos EUA não significa recessão”.
“Não vemos uma recessão global. Vemos uma economia global crescendo abaixo do potencial, mas não uma recessão. A gente pode ver alguns números negativos na Europa, mas, em grosso modo, a gente vê uma desaceleração forte. Nos EUA, recessão não é dois PIBs negativos. Se fosse, já estaria em recessão”, disse Salles.
O economista-chefe do C6 Bank afirmou que o mercado de trabalho dos EUA também mostra que a economia do país não está entrando em recessão, já que a criação de empregos está forte.
“O desemprego está perto do mínimo histórico. Então a gente acha que não vai ser recessão, mas uma desaceleração muito intensa”, afirmou Salles.
Sobre a inflação, Salles disse que o que ocorre no Brasil, hoje, é um fenômeno global. Isso porque não é só o Brasil que está com a inflação elevada. Nos EUA, a inflação também está gerando discussões e, consequentemente, o aumento de juros. O mesmo também acontece na Europa, no Reino Unido e em outras potências mundiais.
“A gente viu aqui no Brasil primeiro a inflação de bens, alimentos, entre outros, subindo. Até que a inflação alcançou um patamar elevado, chegando a dois dígitos. Qual é o problema aqui no Brasil? Aqui no Brasil temos uma coisa que se chama indexação, seja ela formal ou informal. Isso consiste em você repassar o aumento de preços que ocorreu no passado agora. Então como a economia brasileira é muito indexada a gente acha que ela tende a desacelerar mais lentamente”, disse Salles.
Ainda de acordo com o economista-chefe do C6 Bank, o pior da inflação já passou no cenário doméstico.
“Primeiro, parece que as cadeias globais de produção já estão funcionando um pouco melhor. Segundo, houve uma reação dos bancos centrais, não só aqui no Brasil, mas em vários países do mundo. Isso está esfriando a atividade lá fora e está diminuindo a demanda. E, terceiro, a gente está vendo, agora, o preço das commodities caindo. Então o pior da inflação já ficou pra trás. A inflação já está em queda. Vai ser essa tendência. A grande pergunta que se coloca é: quão rápido a inflação vai cair? Na nossa visão, a inflação não cai tão rápido por conta desse problema que a gente está vendo da indexação”, disse Salles.
Confira a entrevista exclusiva do BP Money com o economista-chefe do C6 Bank:
Como o C6 enxerga a inflação no Brasil hoje?
Aqui no Brasil, a gente tem o dólar em uma tendência de alta e isso também atrapalha um pouco a inflação. Por que a gente vê esse dólar em tendência de alta? Por motivos externos e motivos domésticos. O externo é o dólar forte frente a vários países do mundo. O banco central americano está subindo juros, isso atrai dólar para economia americana, falta dólar nos outros países, então o dólar fica mais caro. E segundo, no Brasil, quando a gente olha, não só nossas projeções, mas também projeções de mercado, a gente vê projeção de dívida pública subindo e isso a gente acha que pode aumentar um pouco o risco fiscal e consequentemente pressionar o dólar, então, por esses dois motivos, a inflação aqui no Brasil vai demorar um pouquinho para cair. Indexação e o dólar também pode jogar um pouco contra.
Se a inflação demorar a cair, o BC não tem outra alternativa que não seja esperar para começar o corte de juros, então a gente vê a taxa de juros caindo mais lá pra frente no final do ano que vem. A queda de juros vai seguir a queda da inflação. Se a queda da inflação é lenta, a de juros também é lenta. Estamos com 6,5% para o IPCA para esse ano, estamos até com um número baixo comparado a outras projeções, mas esse número foi muito influenciado por medidas pontuais, como queda de preços de combustíveis. Pro ano que vem a gente vê o IPCA em 5,7%. Com relação à taxa Selic, a gente acha que o banco central já sinalizou a pausa, então a gente está em 13,75% e pro ano que vem a gente vê a Selic terminando o ano em 12,25%.
A medida provisória que diminuiu o preço dos combustíveis pode afetar a economia no futuro, caso haja uma revisão em um possível novo governo?
Em teoria, sim, mas a gente acha que a maior parte dessas medidas, se não todas elas, devem ser prorrogadas para o próximo ano, então, resposta, sim existe esse risco, mas a gente acha que esse não é o cenário base.
Como o governo poderia controlar a inflação, sem ser através do aumento da taxa de juros?
Na minha visão, o jeito mais rápido de você conseguir uma desinflação é via dólar. O dólar caindo diminui os preços. Então a gente tem que criar as condições para o dólar cair. Assim a gente conseguiria uma desinflação mais rápida. Um dos meios possíveis é o da elevação de juros, que já aconteceu e está em um patamar alto. Outro meio seria fazer um ajuste fiscal mais forte. Não necessariamente cortar gastos imediatamente, mas sinalizar uma trajetória de gastos estável ou sinalizar com medidas concretas, como uma reforma, etc.
Em relação às eleições, quais são os principais pontos que podem mudar na economia, com a possível troca do governo?
Os dois principais candidatos, que estão liderando as pesquisas, um é o atual presidente, outro é ex-presidente. Ambos já foram chefes do executivo. Isso significa que a gente já sabe como eles atuam em termos de economia. Então a gente não espera grandes mudanças na condução das políticas monetária e fiscal. Pelo menos essas duas devem permanecer mais ou menos em linha com o que foi feito nos últimos anos.
Na sexta-feira (26), o ministro Paulo Guedes disse que a economia brasileira poderia crescer até 3,5% em 2023, com os cortes nos juros e a queda da inflação. Você acha que essa afirmação está próxima a realidade ou foi algo com um viés mais político?
Na nossa visão, a economia no ano que vem deve desacelerar. Provavelmente a gente começa a ver isso na segunda metade deste ano, por alguns motivos. Primeiro, o mundo está desacelerando, a economia global vai crescer menos, isso tem impacto no Brasil. Parte do crescimento no Brasil foi com relação a reabertura da economia após a pandemia, isso ajudou o PIB esse ano e esse fator não estará presente no ano que vem e terceiro a gente vai pegar o impacto mais cheio da política monetária, do juros em patamar alto. Então a gente vê a economia no ano que vem crescendo menos do que em 2022.