Política

Lula: 100 dias de governo e o mercado financeiro não está tão feliz

Entre os principais pontos negativos está o arcabouço fiscal. Já o lado positivo fica com a questão dos impostos, segundo especialistas ouvidos pelo BP Money

Nesta segunda-feira (10), marca-se os 100 dias de Governo Lula. Esse período é conhecido como “lua de mel” e é considerado uma data emblemática, porque serve como termômetro para medir o que sociedade, mercado, oposição e especialistas estão achando. O BP Money entrevistou analistas do mercado financeiro e o saldo é mais negativo do que positivo.

“A avaliação é bem negativa. A aprovação do Governo está bem baixa e notamos que o Executivo não consegue andar com as pautas necessárias para destravar a economia brasileira, tais como o arcabouço fiscal e a reforma tributária. Além disso, os 100 primeiros dias de um Governo são essenciais, pois é justamente nesse momento que existe o maior índice de aprovação e, consequentemente, maior força junto com o Legislativo. O cenário prospectivo não parece ser bom”, disse o especialista em renda variável na WIT Invest, Ricardo Carneiro.

Segundo um levantamento realizado pelo Instituto Quaest com 82 executivos e economistas de fundos de investimentos, 98%  – o correspondente a 80 agentes do mercado – acreditam que a política econômica do País esteja indo na direção errada. O estudo também mostrou que há um pessimismo em relação ao futuro: apenas 6% acham que a economia vai melhorar nos próximos 12 meses, enquanto 78% consideram que haverá piora. Outros 16% falam que o cenário deve permanecer do mesmo jeito.

“O que eu acho muito ruim do Governo é ele querer falar algo para ser popular e na prática fazer diferente. Coisas do tipo ‘vamos estatizar de novo a Petrobras’, não pode, sabe?. Ou você segue regra, ou você não segue. A parte boa é que na prática, não muda nada, mas é muito ruim porque gera um ruído. E falando em Petrobras, a questão do fundo de reserva, porque ele disse ‘eu não acho interessante pagar muito dividendo”. Assim, interferir na política da empresa é uma coisa que o mercado não gosta”, explicou o fundador da Gava Investimentos e pós-graduado em análise financeira, Ricardo Brasil.

Arcabouço fiscal promete, mas não mostra como

É consenso entre os especialistas que a nova proposta do arcabouço fiscal disse, mas não disse nada. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), quer arrecadar em torno de R$ 110 bilhões a R$ 150 bilhões para cumprir a promessa de zerar o déficit fiscal até 2024. Contudo, ele não traz, no novo marco fiscal, detalhes concretos que mostram de onde a receita virá.

“O arcabouço não disse muito ainda para o que veio. Ele não prova que consegue controlar os gastos, que é o objetivo inicial. Ele não disse direito como vai ser a arrecadação. Precisa um pouco mais de números, provas matemáticas, de que o arcabouço consegue mesmo zerar o déficit. Pelo o que foi apresentado, parece que os gastos serão descontrolados e isso é muito ruim. As casas de análises, majoritariamente, não aprovaram”, pontuou o analista CNPI e co-fundador da Escola de Investimentos, Rodrigo Cohen.

Críticas à Selic e ao Campos Neto

Desde que assumiu a presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem criticado a autonomia do Banco Central (BC), a gestão do presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o nível da atual taxa Selic (taxa básica de juros) a 13,75%, considerada alta pelo petista. Na visão do mercado, as críticas trazem uma ingerência política e uma desconfiança. “Sempre que houve uma desavença entre os dois, houve queda na bolsa”, disse Cohen.

“Nós estamos passando por uma espécie de recessão no mundo com inflação alta. Não é interessante o Governo ficar tentando dar canetada, falando ‘tem que baixar a taxa de juros’, se o Banco Central é independente. Isso gera uma insegurança jurídica e qualquer investidor (seja estrangeiro, institucional, físico) não gosta disso”, explicou Brasil.

Carneiro ainda completa dizendo que críticas aos Bancos Centrais independentes são bem comuns em um espaço democrático. Ele cita o exemplo do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que desferiu críticas ao presidente do Fed (Federal Reserve, Banco Central dos EUA), Jerome Powell, e também relembra que o ex-presidente da instituição, Paul Volcker também foi muito criticado quando resolveu elevar os juros durante sua gestão. 

“Acreditamos que essas críticas fazem parte do jogo democrático. No entanto, a discussão perde a qualidade quando os ataques viram pessoais e uma crise institucional se alastra – e é exatamente o que vem ocorrendo agora. Lula está usando parte da sua base e da sua força para atacar o ‘cidadão’ Campos Neto, energia que poderia ser direcionada para pautas mais importantes, e é disso que o mercado não gosta”, comentou.

Mercado viu como positivo a questão dos impostos

Ricardo Brasil explica que um ponto positivo para o mercado foi a afirmação de que, por enquanto, novos impostos não serão criados, com exceção de alguns setores (como apostas online e e-commerces asiáticos). Contudo, como não haverá novos tributos, Brasil relembra a fala de Haddad sobre retirar benefícios fiscais.

“O que acontece é que da onde que vai vir esse dinheiro? Onde você vai aumentar essa base monetária? A proposta, no final das contas, é acabar com os incentivos fiscais. E boa parte desses incentivos é do agronegócio. Então assim, duvido muito que isso consiga passar pelo Congresso”, enfatizou.

“A taxação de novos setores não é de todo ruim. O Brasil possui várias ‘jabuticabas’ no sistema tributário, o que acaba beneficiando só um grupo específico e não o desenvolvimento econômico como um todo. A discussão sobre esses benefícios e regulamentações é extremamente válida”, completou Carneiro.

Já segundo o analista político, Anderson Nunes, apesar do ministro da Fazenda ter anunciado que não haverá aumento de impostos, está no Senado a proposta de taxação dos dividendos e a reforma tributária que, em sua visão, “poderá aumentar a carga de impostos sobre os prestadores de serviços”.

Medidas populistas em números

Lula já propôs diversas medidas sociais que impactam financeiramente os gastos do Governo. Aumento do salário mínimo, reajuste de bolsas de pesquisa, aumento do Bolsa Família e isenção do IR para algumas pessoas estão entre os destaques.

“O Governo manteve o valor do Bolsa Família (antigo Auxilio Brasil) em R$ 600 e criou dois adicionais, sendo R$ 150 por criança de até 6 anos e mais um valor extra de R$ 50 reais para cada dependente entre 7 a 17 anos e para as gestantes. Ele também criou um adicional de 50% no vale gás, passando para o valor de R$ 112”, explicou Nunes.

De acordo com ele, esses novos valores foram garantidos pela Emenda Constitucional 126, que autorizou o Governo a aumentar em R$ 145 bilhões o teto de gastos no orçamento de 2023 para bancar despesas como o Bolsa Família, o Auxílio Gás, a Farmácia Popular e outras políticas públicas. “A emenda teve origem na chamada PEC da Transição (PEC 32/22) aprovada em dezembro no Senado. Contudo, o aumento de gastos não valerá para 2024”, disse.

Em relação ao salário mínimo, em 100 dias de Governo, Lula propôs dois reajustes: de R$ 1.212 para R$ 1.302 a partir de 1º de janeiro de 2023; de R$ 1.302 para R$ 1.320 a partir do dia 1º de maio. Ambos os aumentos somados geraram um impacto nos cofres públicos de R$ 6,6 bilhões em 2023.

“O governo tem anunciado aumento nos gastos públicos de forma rotineira elevando a preocupação de como será realizado o aumento de arrecadação para compensar. Ainda pairam dúvidas sobre o arcabouço fiscal que terá seu texto apresentado somente na próxima semana. Fora o risco de um aumento na dívida pública sem um controle e, principalmente, a falta de anunciar algum corte de gastos ou diminuição do tamanho do Estado”, comentou o analista político. 

Outro ponto que chama a atenção entre as medidas populistas é a isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para uma parcela da população. Empregados, autônomos, aposentados, pensionistas e outras pessoas físicas que recebam até dois salários mínimos, ou seja, R$ 2.640, não serão tributados pelo IR a partir deste ano.

“A gente está falando de um custo de R$ 16 bilhões, mas, na minha visão, eu acho que isso vai ser muito positivo. Você está deixando de onerar quem ganha pouco e isso pode estimular o consumo, o pessoal vai estar com mais dinheiro para fazer o que tem que fazer. Você amplia uma base que vai ter mais dinheiro, isso move a indústria. Pensando em macro, eu acho que é um custo relativamente pequeno para o benefício que pode vir do impulsionamento da economia”, explicou Brasil na visão de um especialista do mercado.

Na conta do Governo, também entrou o reajuste das bolsas de pesquisa. Os cientistas passaram a receber um aumento médio de 40%. Sendo assim, as bolsas dadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) passaram a valer R$ 2.100 (mestrado) e R$ 3.080 (doutorado). Para bolsas de Iniciação Científica (IC) da graduação, Luciana informou um reajuste de 75%, passando de R$ 400 para R$ 700.