A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) vê espaço para tentar emplacar a retomada das discussões da reforma administrativa em troca de reajustes salariais futuros a servidores públicos, que se mobilizam em torno de uma possível paralisação pontual ou até mesmo greve geral por aumento.
A estratégia, porém, é rejeitada mesmo por líderes governistas no Congresso. A avaliação da base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) é que, por 2022 ser um ano eleitoral, a reforma continuará travada, pois é uma medida que gera desgaste político, inclusive para o presidente.
Ao pedir que o governo se posicione contra a pressão do funcionalismo por reajuste generalizado, Guedes argumentou a ministros que a redução de despesas com a reforma poderia ser usada para bancar aumento salarial de quem está na ativa. Mas apenas após a aprovação da reforma.
O plano do ministro não encontra apoio no Congresso nem dentro da ala política do governo, segundo integrantes do Palácio do Planalto.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse que o entrave à reforma é anterior ao período eleitoral. “Já não havia clima para essa matéria”, afirmou à reportagem.
Outros governistas também rejeitam a ideia de votar a reforma administrativa neste ano. É o caso do líder do PL, Wellington Roberto (PB), e do líder do Republicanos, Hugo Motta (PB).
Aliado de Bolsonaro, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), que comanda a bancada da bala no Congresso, disse que “não há a menor possibilidade de ser aprovada a reforma administrativa, e isso vai ficar para o próximo mandato”.
Reforma administrativa é inegociável, diz representante de servidores
Entre os representantes dos funcionários públicos, a proposta de negociar um reajuste em troca da reforma administrativa é criticada.
Rudinei Marques, presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado), disse que a reforma administrativa é inegociável.
“Não faz sentido garantir o reajuste por um lado e, por outro, avalizar a desfiguração do serviço público brasileiro”, afirmou.
Marques lembrou que o reajuste em discussão seria restrito aos cerca de 1 milhão de servidores federais, enquanto a reforma administrativa causaria impactos para mais de 10 milhões de funcionários públicos –ao se considerar aqueles vinculados a estados e municípios. “O que prova não serem temas conexos.”
Carlos Silva, vice-presidente do sindicato que representa os auditores do trabalho (Sinait), afirmou não haver qualquer chance para a retomada de discussão sobre a reforma administrativa.
“Não se pode e seria paradoxal negociar a extinção do serviço público como fora concebido pela Constituição Cidadã”, afirmou Silva.
Representantes de outras entidades ouvidas pela reportagem afirmaram também que os recursos previstos no Orçamento para possíveis reajustes são muito baixos para convencer o funcionalismo a defender a reforma. Caso todos recebam aumento de forma linear, o percentual seria de menos de 1%.
Além disso, eles reforçaram a crítica à reforma administrativa, a qual avaliam como horrível e péssima para o serviço público.
A sinalização de Bolsonaro em reajustar a remuneração de policiais federais desencadeou um movimento unificado de diversas carreiras do funcionalismo para pressionar o Planalto a conceder aumentos aos demais servidores.
Mesmo de férias, Guedes chegou a encaminhar mensagens a ministros e integrantes do governo pedindo apoio para impedir o reajuste salarial amplo. Segundo ele, se for feita uma concessão generalizada, o país pode quebrar.
O Orçamento prevê R$ 1,7 bilhão para reajuste salarial a servidores, mas não há no texto uma previsão de uso dessa verba exclusivamente para as carreiras policiais. Por isso, diversos sindicatos de servidores se mobilizam para conseguir abocanhar parte dos recursos.
Nos cálculos do governo, cada aumento de 1% linear a todos os servidores gera impacto de R$ 3 bilhões para a União.
Representantes da elite do funcionalismo dizem que a maioria dos servidores públicos federais está com o salário defasado em 27,2%, pois não há reajuste desde 2017.
No discurso para tentar convencer integrantes do governo a barrar a pauta do funcionalismo, Guedes chegou a mencionar que, como a reforma administrativa reduz as despesas em R$ 30 bilhões por ano, seria possível dar um aumento de 10% nos salários dos servidores.
No entanto, sem a reforma, o reajuste amplo acabará gerando mais inflação, argumentou o ministro.
Reforma prevê contratação sem estabilidade A proposta de reforma administrativa do governo prevê novos tipos de contratação de funcionários públicos sem a estabilidade existente hoje (ou seja, eles teriam mais possibilidades de demissão).
Entre esses tipos de contratação, o governo sugeriu o vínculo por tempo indeterminado (que exigia aprovação em concurso, mas sem estabilidade), o vínculo de experiência (que seria uma etapa de dois anos após o concurso público com estágio probatório antes de ser efetivamente nomeado) e o vínculo com prazo determinado (para contratos temporários).
A proposta foi modificada pelo Congresso, que retirou do texto itens como o vínculo por prazo indeterminado e o de experiência como etapa de concurso público. A proposta também remove benefícios considerados distorcidos recebidos por alguns servidores e outros itens.
Aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados, a PEC (proposta de emenda à Constituição) está pronta para entrar na pauta de votações no plenário da Casa. Mas o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já relatou que falta ao governo empenho para o texto avançar.
O movimento grevista do funcionalismo aguarda uma abertura de negociação formal com o governo ainda em janeiro.
Até o momento, houve apenas reuniões pontuais e separadas, por exemplo, entre a Casa Civil e servidores da Receita Federal. Outras carreiras do Ministério da Economia se encontraram com os chefes das áreas.
Sem avanço, a mobilização sindical se amplia a cada dia rumo à primeira medida unificada: a paralisação em 18 de janeiro. Além disso, está prevista outra paralisação de dois dias na semana seguinte.
Em caso de fracasso nas negociações, representantes dos servidores passarão a discutir uma greve geral em fevereiro. O movimento foi iniciado por carreiras da elite do funcionalismo, como da Receita Federal e do Banco Central.