Como a PEC da Transição faria o Brasil rodar com déficit de 0,5%?

De acordo com Reginaldo Nogueira, diretor geral do Ibmec, déficit geraria pressão sobre o carregamento da dívida pública e teria efeito direto no crescimento da economia

Enquanto o governo eleito corre contra o tempo para aprovar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, que visa retirar do teto de gastos R$ 198 bilhões por quatro anos, o mercado segue ansioso pelo fim da novela, que não agrada investidores e economistas. De acordo com Reginaldo Nogueira, diretor geral do Ibmec, a aprovação da PEC poderia trazer um efeito negativo para a economia brasileira, fazendo o País rodar com déficit primário de cerca de 0,5% do PIB por quatro anos.

“O superávit primário que devemos terminar em dezembro deve ser algo em torno de 1,5% do PIB ou 1,2%, esse valor só a PEC da Transição, na proposta de R$ 200 bilhões por ano, mata o superávit que teremos até dezembro e vira um déficit de mais ou menos 0,3%.  Quando junta isso a uma economia crescendo um pouco menos e outras medidas de gastos que vão acontecer, no próximo governo, devemos rodar com 0,5% do PIB de déficit já no próximo ano”, explicou Nogueira. 

Em nota técnica, elaborada pela Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, e publicada na última quinta-feira (1), consultores destacaram o aumento que a dívida pública pode ter com a possível aprovação da PEC. 

“A dívida pública poderá passar de 79% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 para 89,8% em quatro anos, caso todo o aumento de gastos permitido pela PEC da Transição (PEC 32/2022) seja viabilizado pela emissão de títulos públicos”, disseram os consultores do orçamento da Câmara em nota. 

Segundo Nogueira, esse aumento da dívida pública seria consequência do déficit provocado pelo estouro de R$ 200 bilhões ao ano, projetado pelo governo eleito. 

“Isso colocaria pressão sobre o carregamento da dívida pública brasileira, pressão sobre venda de títulos e, provavelmente, uma dificuldade maior de rolagem da dívida e juros mais altos. Teria também pressão sobre câmbio. Com isso, o BC poderia aumentar juros como forma de que isso não chegasse na inflação. O BC não vai diminuir a taxa de juros para acomodar a política fiscal, como foi feito no passado. Nesse caso, ele aumentaria o juros, e aí a gente teria dificuldade de crescimento”, afirmou Nogueira. 

O executivo do Ibmec destacou que, para o ano que vem, o cenário já é desafiador, no quesito econômico, com uma perspectiva de crescimento menor da economia. “A gente tem uma economia que deve crescer menos que esse ano, algo em torno de 1%, 1,5% no máximo, então isso deve fazer com que a arrecadação cresça menos do que esse ano. O PIB que tivemos ontem mostra que a economia começou a dar uma esfriada com a taxa de juros e realmente devemos ter um crescimento menor do que neste ano em 2023. Com certeza vai ter impacto sobre arrecadação”, disse Nogueira.

O especialista em economia afirmou que, para conter o estouro, existem algumas medidas que podem ser tomadas pelo novo governo, mesmo com a PEC sendo aprovada. 

“Precisa, imediatamente, de alguma proposta de outros cortes de despesas para acomodar esses R$ 200 bilhões ou a gente precisaria de aumento da arrecadação para compensar isso. Esse aumento poderia vir com algumas direções, poderia acabar com a redução do PIS/Cofins, por exemplo, não carregar isso para os próximos anos. Só isso deve liberar mais ou menos 0,7% do PIB”, disse Nogueira.

Outra medida de corte de gastos, segundo o diretor do Ibmec, seria cortar o auxílio gás e o auxílio caminhoneiro, que somam, mais ou menos, 0,2% do PIB. “Juntos, já teria quase 1% do PIB entre receita e despesa”, afirmou Nogueira.

A última alternativa citada pelo especialista do Ibmec é o aumento de alíquotas já existente ou a criação de novos tributos, que podem aparecer nas discussões sobre reforma tributária no ano que vem. 

“O governo pode tentar aumentar a arrecadação com a criação de novos tributos ou aumento de alíquotas de tributos já existentes. Então volta a discussão sobre reforma tributária no próximo ano, que provavelmente vai ser uma reforma que não vai ser baseada na discussão sobre simplificação e melhora do sistema, mas deve ser baseada unicamente em aumento da arrecadação”, disse Nogueira. 

“Nisso deve haver discussão sobre aumento de IR e tributação sobre dividendos”, acrescentou o especialista e executivo do Ibmec. 

Teto de gastos deve ser mantido? 

O teto de gastos, implementado em 2016, como uma forma de “ajuste para o crescimento do país”, segundo o próprio governo da época, entrou em pauta após as eleições, já que o governo eleito propôs um estouro que não era esperado pelo mercado e por especialistas. De acordo com o diretor do Ibmec, apesar de alguns não acreditarem no funcionamento do teto, a âncora fiscal foi fundamental para o País nos últimos anos. 

“Minha visão é que o teto funcionou, tanto que a dívida pública vem caindo. Mesmo com a pandemia, terminamos com uma dívida menor do que a gente tinha no começo do governo. Conseguimos ter superávit primário em 2021 e 2022, que era algo que não acontecia desde 2013. Então claramente a política de teto de gastos foi efetiva. Por outro lado, do ponto de vista político, ela é discutida. O motivo é que ela não permite acomodar todo tipo de gasto público que os políticos querem colocar no orçamento”, destacou Nogueira. 

A solução, caso o teto de gastos fosse extinto, para não acontecer uma pressão muito grande no mercado financeiro e uma corrida contra o real e aumento de juros futuros, seria alguma promessa de superávit primário, como existiu no passado, e deixou de valer no governo Dilma. 

“Poderíamos voltar a ter essa meta, o que não seria fácil, porque se junto com a meta de superávit vier muita meta de exclusão de programas, isso não teria sentido”, disse Nogueira.

Outra saída, segundo o executivo, seria criar uma meta de queda da dívida. 

“Ela faz sentido, porque o objetivo de longo prazo é reduzir a dívida, tudo tem sido feito para reduzir a dívida no futuro e torná-la pagável. Quando eu digo que eu vou ter um objetivo de queda da dívida, eu dou alguma flexibilidade, porque o crescimento do PIB e arrecadação ajudou a reduzir essa dívida, você tem alguma flexibilidade e tem ao mesmo tempo uma meta de longo prazo, porém ela gera muita insegurança, na minha visão, de como vai ser o acompanhamento mensal”, disse Nogueira. 

“Teremos meta anual ou simplesmente vamos falar que daqui a 4 anos a dívida vai ser x% do PIB?”, indagou Nogueira. 

O próprio especialista explicou que a falta do acompanhamento real do que está acontecendo com a política fiscal, neste último caso, seria motivo de preocupação para o mercado. 

“O que eu teria seria uma meta de longuíssimo prazo de onde eu digo que vou chegar e, caso eu não chegue, as pessoas que implementaram a política que impediram que eu chegasse lá nem estariam mais conduzindo a política econômica. Então essa discussão, específica, me preocupa um pouco, porque me parece meio abstrata”, finalizou Nogueira.