Paulo Cavalcanti

Reflexões sobre política e constituição: um olhar consciente

Paulo Cavalcanti, escritor, empresário, advogado e presidente da Associação Comercial da Bahia

Paulo Cavalcanti
Paulo Cavalcanti (Foto: Divulgação)

Um dos assuntos de maior impacto e repercussão na última semana foi a liminar concedida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Cristiano Zanin que, atendendo ao governo federal, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos da lei 14.784 de 2023 que, por iniciativa do Congresso Nacional, prorrogou a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia que mais geram empregos no país e também de municípios pequenos, até 2027.

De forma monocrática e com efeitos imediatos, justamente na última semana do mês, quando as empresas calculam suas folhas de pagamento, a decisão do ministro, além de forçar que esses setores se desdobrem em novos planejamentos para alterarem suas bases de cálculo, também ampliou o cenário de insegurança jurídica no meio empresarial e serviu para tensionar ainda mais as já abaladas relações entre os três Poderes da República, que têm a prerrogativa de atuarem de forma independente e harmônica.

Logo no dia seguinte à decisão do ministro do STF, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que apresentaria recurso de agravo à liminar. “O que gerou muita insatisfação no Congresso foi o comportamento do governo. Realmente foi uma ação precipitada, descontextualizada e fora do momento”, disse.

O presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), declarou que “o movimento do Poder Executivo contribuirá para prolongar o tensionamento nas relações com o Legislativo, que fez valer em cada um dos votos no Congresso Nacional o anseio da sociedade civil organizada, que procura segurança jurídica e redução do Custo Brasil para gerar empregos e renda. Nesse sentido, a judicialização da política simboliza um retrocesso em termos sociais e econômicos”.

Há muito tempo venho alertando para a necessidade de bom senso e equilíbrio nos atos de nossos representantes políticos eleitos e também por parte dos ministros do STF. A polarização política é aceitável e deve ser encarada como parte da democracia, que sairia enfraquecida sem oposição e liberdade de expressão. Mas não se pode tolerar atropelos e ataques a cláusulas pétreas que não podem ser alteradas nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição, como a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes da República; e os direitos e garantias individuais.

Do mesmo modo que devemos respeitar a decisão popular quando elege através do voto direto o representante máximo do Poder Executivo, temos que respeitar o nosso Poder Legislativo, compostos por 513 deputados e 81 senadores também eleitos pela vontade do povo, de quem emana o verdadeiro poder. Já o Poder Judiciário, não pode ser confundido como ferramenta para impor a vontade do governo em exercício. Os ministros do STF são guardiões da nossa Constituição e não podem se prestar a outro serviço.

É inaceitável todo e qualquer ataque ao Estado Democrático de Direito, à República Federativa do Brasil. Qualquer tentativa neste sentido precisa de uma resposta imediata do Poder Legislativo e do povo brasileiro, sob pena de a insegurança jurídica se alastrar e o descrédito em nossas instituições nos levar ao caos econômico e social.

Mais uma vez, clamo pelo despertar da consciência dos brasileiros para o fato de que abrir mão das nossas cláusulas pétreas em defesa de qualquer partido político ou corrente ideológica é um verdadeiro retrocesso diante das nossas conquistas constitucionais.

O Estado brasileiro não pode ser confundido com os governos periódicos. Estas palavras não podem continuarem sendo estranhas à maioria do povo brasileiro. E o caminho para esta evolução social é o desenvolvimento da nossa inteligência cidadã.

Paulo Cavalcanti, escritor, empresário, advogado e presidente da Associação Comercial da Bahia