Foco em cadeias produtivas estrangeiras é o diferencial da ATM

Alexandre Cruz, sócio da gestora Atmosphere Capital, explicou ao BP Money que o ponto positivo de mercados como EUA e Europa é o maior leque de empresas

No último relatório de dezembro de 2022, a Atmosphere Capital (ATM) divulgou uma rentabilidade de 7,1% no ano passado, consideravelmente superior aos principais índices europeus e norte-americanos, que acumularam, sem exceção, perdas. O segredo para o resultado diferente da gestora? Foco em cinco cadeias produtivas do exterior, contou o sócio Alexandre Cruz ao BP Money.

Com R$ 83 milhões sob gestão e uma meta de captar R$ 500 milhões em 2023, a gestora está aumentando a possibilidade dos investidores brasileiros com ativos estrangeiros nos setores de cadeia energética, infraestrutura, economia circular, cadeia industrial e materiais.

“São cinco grandes cadeias de produção, que são cadeias que o time conhece há bastante tempo. Quando a gente olha para o background dos principais sócios, a gente tem touchpoints entre a experiência de cada um”, contou Cruz.

Ele, que sempre cobriu o setor elétrico, de infraestrutura e tecnologia, agrega experiência a Felipe Mattar, que também já trabalhou com o setor de petróleo, e a Caio Carvalhal, que tem expertise na indústria de commodities como um todo. Todos, contam com mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro.

Confira a entrevista de Alexandre Cruz, sócio da gestora Atmosphere

Pode contar um pouco sobre a história da gestora?

Idealizada em 2017 pelo fundador Felipe Mattar, a Atmosphere Capital nasceu com a gestão do dinheiro próprio dos sócios, diferentemente de outras gestoras que podem utilizar dinheiro de terceiros. Após três anos de maturação, no começo de abril de 2020, os sócios iniciaram a estruturação da estratégia de investimento.

“Mas a gente não foi para o mercado direto. O fundo rodou fechado com o dinheiro dos sócios. Um ano depois, quando a gente já tinha não só backtests, mas pelo menos 12 meses de cota, auditoria, tudo bonitinho, a gente realizou os ajustes na estrutura para ser um fundo comercial”, disse Cruz.

No começo de 2022, os três sócios começaram a rodar em plataformas. “Quem viu o fundo em 2022, que é quando a gente vai para rua, ele já tinha 24 meses de histórico. E aí o pessoal pensa ‘Como assim uma gestora que ninguém tinha ouvido falar com 24 meses de histórico?’ Sim, porque a gente teve totalmente skin in the game (expressão utilizada para demonstrar confiança), dinheiro nosso com cota e tudo auditado”, explicou.

Qual foi a estratégia para o fundo ter se saído tão acima dos benchmarks que vocês trabalham?

De acordo com Cruz, a estratégia da gestora é baseada em três pilares: mercados desenvolvidos, foco em cadeias produtivas e liquidez. O primeiro, por sua vez, trata-se da alocação do fundo apenas em ativos estrangeiros dos EUA, Europa ocidental e Canadá, que possuem uma governança mais estável.

Já o segundo pilar, são os cinco setores escolhidos pela Atmosphere. “A estratégia é foco. Nós não operamos ativos fora dessas cinco cadeias de produção. ‘Poxa vida, mas vocês não olham, por exemplo, para bancos’. Não, não olhamos.‘Então vocês vão perder oportunidades em alguns setores?’. Provavelmente, sim”, brincou.

Para ele, o lado positivo nesses cinco setores estrangeiros é o leque de empresas. “A gente está falando aqui de um universo de mais de 400 empresas. Ou seja, é o problema ao contrário de quem foca em mercados não desenvolvidos. Aqui no Brasil, muitas vezes as pessoas têm falta de ativos para olhar”, comentou.

Os mercados desenvolvidos, segundo Cruz, carregam o diferencial de existir mais empresas para comparação. “Você não tem um universo grande para comparar se está cara ou barata. Fora que [no mercado externo] a gente tem, às vezes, 10 empresas de um mesmo setor com características muito parecidas”, completou.

Como terceiro pilar, Cruz explica que a liquidez é fator fundamental na estratégia da gestora. Empresas que negociam menos de US$ 25 milhões por dia não entram no radar da Atmosphere, o que reduz o funil. “Uma coisa muito importante é o controle de risco. A gente está sempre olhando para evitar grandes perdas permanentes, evitar grandes volatilidades de cota. Nós somos um fundo de retorno absoluto”, explicou.

Por que vocês apostaram mais na Teledyne Technologies Inc.? O que ela tem de diferente? Em 2023, ela continuará performando assim?

De 400 empresas sob o radar da gestora, Cruz explica que a Atmosphere aloca seus recursos em cerca de 40 empresas, atualmente, sendo a Teledyne Technologies Inc. a que possui uma maior exposição (4,8%). Segundo o gestor, a empresa de tecnologia é uma alocação antiga da gestora, devido a sua trajetória que engloba diversidade de produtos.

“Há 20 anos, ela era muito concentrada no setor de defesa, mas mudou o perfil. Agora, ela vem reduzindo a exposição para não ficar dependente de um único setor. Hoje, ela tem focado em drones e em muita tecnologia óptica. A empresa fez uma aquisição de uma empresa de lentes que proporcionou uma alavancagem. Foi a maior aquisição da história da Teledyne e ela conseguiu já trazer uma transformação e integrar isso de forma muito muito ágil. Tudo isso traz para ela uma vertente de crescimento interessante no setor de defesa e de saúde”, contou.

O ambiente macroeconômico está subindo os juros, como vocês estão vendo isso? Vocês acreditam que o apetite pela renda variável vai cair?

Como qualquer ativo de risco, o gestor explica que eles tendem a sofrer com a taxa de juros mais alta. Contudo, os atuais juros americanos, em sua visão, não representam o “fim do mundo”. Para contornar a situação, a estratégia é buscar bons modelos de negócios.

“Existem setores que de alguma forma se beneficiam disso. O setor de defesa, por exemplo, ele tem orçamento, tem investimento, não importa o ciclo econômico. Então você tem várias vertentes interessantes para investir, sim, ao longo dos próximos meses”, disse.

Para ele, a gestão ativa novamente é muito importante nesse momento. “No ano passado, a bolsa americana caiu e nós aqui subimos, porque a gente conseguiu achar algumas empresas vencedoras. Também temos a vantagem de poder operar vendido, ou seja, as nossas posições vendidas também acabaram dando um resultado positivo”, complementou.

Vocês comentam sobre a previsão dos lucros das empresas e setores expostos à inflação crescer em 2023? Por que? O repasse de preços em algum setor é mais fácil?

Na visão de Cruz, há alguns casos de repasses automáticos, mas há outros que o setor se beneficia mesmo em momentos de inflação, como o setor de saneamento dos EUA. Por ser muito fragmentado, Cruz explica que aquisições fazem eles aumentarem a produtividade ao mesmo tempo que controlam os custos.

“Se uma empresa grande de saneamento agrega a cidade ao lado, você tem um ganho de escala, porque você trabalha em um raio que você já está trabalhando, mas você não vai ter dois CEOs. Assim, você ganha a receita e consegue controlar os custos”.

A exposição de vocês no ano passado ficou mais alocada no agribusiness. Por que? Os EUA continuarão com essa performance?

A crise entre Ucrânia e Rússia foi um fator-chave para essa maior exposição, segundo Cruz. Com a quebra da cadeia de produção de grandes commodities, de fertilizantes e até mesmo maquinários, a Atmosphere viu uma oportunidade.

“Nós pensamos que alguém teria que suplantar o fertilizante Russo que não está chegando, porque o mundo continua precisando de fertilizantes. Mas a gente entende que isso seja secular. O desafio do gestor é sempre pensar ‘eu tenho aqui uma uma tendência econômica agora, mas isso já está nos preços ou não está nos preços?’. Em algumas empresas, a gente entendeu que estava no preço e saiu. E, às vezes, tem uma correção de mercado por alguma razão e você gera oportunidade para voltar”, disse.

Segundo ele, atualmente a gestora está alocada no setor em algumas empresas de máquinas e logística agrícola. De acordo com o relatório de dezembro de 2022, a exposição no setor foi de 7,9%.

Há uma expectativa por uma recessão em 2023. O que podemos esperar dos ativos estrangeiros?

A recessão ao pé da letra (queda no PIB durante dois trimestres consecutivos) é “o menos relevante”, disse Cruz. Para ele, o maior problema é a inflação, que “pegou todo mundo de surpresa”. 

“Acho que aí tem uma discussão se o policy maker demorou para agir. A gente entende que sim. Isso fez com que o mercado ficasse muito estressado. O FED (Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos) vem se mostrando sempre muito tímido, sabe que precisa subir juros, mas tem medo, porque pode ser que desacelere demais a economia”, disse Cruz.

Em sua visão, o processo de reshoring, que está trazendo de volta as cadeias produtivas do oriente para o ocidente, é uma das explicações do efeito inflacionário. Mas que uma hora cessará, fazendo a inflação se estabilizar, só que em um nível mais elevado.

“Isso leva a gente a ter cautela com índices de mercado em geral para 2023. A gente entende que vai ser um ano difícil, onde o gestor tem que ser mais assertivo no stop picking. Ou seja, existem ativos para ganhar dinheiro comprado? Sim, mas também existem ativos para ganhar dinheiro vendido”, concluiu Cruz.