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CNC: setor de turismo não abrirá mão do Perse em 2024, diz diretor

Alexandre Sampaio, diretor da CETUR, comentou com o BP Money sobre a disputa pela manutenção do Perse e os impactos ao setor

Foto: Marcelo Freire
Foto: Marcelo Freire

Alexandre Sampaio, diretor do Cetur (Conselho Empresarial de Turismo) da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), afirmou, em entrevista ao BP Money, que o setor não abrirá mão do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) para este ano.

Sem eventos de qualquer tipo para gerar renda, os setores de turismo, comércio e serviços acumularam dívidas no período da pandemia. Dessa realidade, surgiu, a partir do deputado Felipe Carreras (PSB-PE), a ideia do Perse, que, no decorrer do trâmite, definiu desconto de até 100% do valor dos juros, das multas e dos encargos-legais.

O Governo Federal, em dezembro de 2023, editou uma MP (Medida Provisória) que revogou a validade do Perse. Além disso, em janeiro deste ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que as isenções concedidas pelo programa custaram R$ 17 bilhões às contas públicas. 

Sendo assim, os deputados favoráveis ao Programa, junto às entidades dos setores, como a CNC, se posicionaram contra as ações e declarações da equipe do governo, conseguindo, inclusive, derrubar dois vetos do presidente Lula, segundo Sampaio. 

Confira abaixo a entrevista na íntegra com diretor da CNC:

As entidades do setor estimam prejuízos em caso de extinção do Perse, enquanto a Fazenda estima perdas com a permanência do programa. Na visão da CNC quais seriam os prejuízos?

Essa é uma questão muito discutida porque o ministério nunca abriu as contas para nós. Não existe esse negócio de sigilo fiscal, o que queremos é discutir de maneira crível, dentro do processo de apoio com os parlamentares. Que ele [o ministério] abra então, para os partidos e políticos, essas contas.

É uma falácia, o governo, com um déficit fiscal, querer jogar em cima do setor uma alegada diferenciação exponencial a partir do que ele havia previsto. Não aceitamos os números citados, e queremos, sim, o Perse até 2027. 

Não nos recusamos a negociar. O governo já acena o que pensamos como possibilidade, que seria: manter o Perse intacto em 2024, em 2025 poderíamos abrir mão de alguns CNAES (Classificação Nacional de Atividades Econômicas), em 2026 perderíamos a contribuição sobre o lucro líquido (CSLL) e o Cofins e encerraria em 2027, como era a previsão. 

Qual a posição da CNC com os argumentos do outro lado e os prejuízos que o ministério da Fazenda projeta?

O governo fechou-se em copas e editou uma Medida Provisória. Consideramos isso uma traição, os parlamentares também.

Há uma estratégia do ministério da Fazenda, nos empurrando para decidir o que fazer. Muitas empresas estão entrando em juízo para garantir uma liminar que proteja o Perse. E estamos pressionando os partidos para que exijam do governo a redação desse pseudo PL [Projeto de Lei] que ele quer substituir. 

As isenções que o governo acena que estão extrapolando os R$ 17 milhões, não são verdade. Os nossos números acenam para um valor em torno de R$ 12 bilhões, exatamente o previsto. 

Além disso, o aceno das pseudo sonegações, não se faz presente porque muitas empresas migraram do simples e passaram a declarar o lucro resumido, porque é melhor. Todo empresário tem que correr atrás do seu benefício.

O programa foi criado como uma forma de ajuda durante a pandemia, então porque ele deve ser mantido se o cenário já passou? Quais são as ameaças ao setor no momento?

O Perse foi criado porque muitas empresas, durante a pandemia, contraíram empréstimos, inclusive para honrar a folha de pagamento. Nós nos endividamos sistematicamente para fazer face à folha de pagamento, para não demitir as pessoas.

O governo lançou projetos em que condicionava a captação de empréstimo a demissão de pessoal. Então as folhas foram mantidas, apesar de não haver demanda, não haver serviço e as empresas se endividaram. O Perse não é uma recuperação no momento presente, pelo contrário, é uma recuperação para fazer frente aos empréstimos que foram contratados no passado.

Estamos vivenciando, este ano, uma recuperação importante, volumosa, mas o dinheiro que entra vai pagar, não só as despesas de hoje, mas também as dívidas antigas. O governo erra ao avaliar que porque houve uma recuperação, que ainda está em andamento, o Programa deve ser extinto. 

O Perse foi concebido para permitir um hiato de tempo, para que as empresas do setor, que contraíram empréstimos durante dois anos, sem faturamento, possam se recuperar de maneira tranquila e crível.

Qual o papel da CNC na articulação com as demais entidades, empresas do setor e o Congresso Nacional?

Agora temos um estudo da CNC, que sustenta a defesa enfática da manutenção do Perse. O Cetur, que é o Conselho do Turismo da CNC, viabilizou recursos para contratar uma outra consultoria, realizada pela nossa divisão econômica. Esse estudo aponta que o fim do Perse pode retirar da economia brasileira entre R$ 120 a R$ 244 bilhões por ano, em prol de um corte de gastos de cerca de R$ 30 bilhões nos próximos anos.

A CNC, enfaticamente, defende a manutenção do Perse, toda nossa assessoria parlamentar, por ordens do Presidente José Roberto Tadros, está mobilizada para manter o Perse.

Esperamos pelo texto que o governo vai acenar, devem querer retirar alguma coisa, mas não aceitaremos sem que haja, pelo menos, uma negociação 

Outro ponto levantado sobre o tema é a investigação da Receita Federal quanto a fraudes no programa. Como o CNC viu essa denúncia e os impactos dela sobre o Perse?

Ninguém recebeu auto de infração ainda, então estamos estranhando que governo levante essa situação como uma colocação estapafúrdia. Mas se constatarem que há erros, então que [os negócios] sejam autuados, não há problemas quanto a isso. 

O governo tem que buscar, quais são os CNPJs, onde está a diferença, onde está a suposta sonegação. Até agora, as empresas tiveram interesse em levar tudo à tributação porque estão isentas, se houve aumento do valor declarado é porque o Programa se mostrou crível, e as empresas se sentiram atendidas.

No momento, os membros do legislativo estimulam a permanência do Perse e a discussão de possíveis mudanças. Como estão correndo essas discussões?

Visitamos quase todos os deputados da casa, menos os que já sabíamos serem ativamente contra o Perse, estamos falando do núcleo duro dos partidos de esquerda. Mas mesmo alguns deputados do PT, se mostraram favoráveis à discussão do Perse. Esse núcleo duro se posicionou pelas mudanças no Programa, não contra ele.

Todos os outros partidos foram visitados pela nossa divisão de relações institucionais, ou individualmente por cada um dos nossos setores, com isso constatamos uma tendência majoritária de manutenção do Perse. Isso não quer dizer que sejamos intransigentes, admitimos alguma negociação, mas o governo tem que mostrar a que veio. Até agora [momento da entrevista] não vimos nenhuma proposta do governo.

O que não estamos dispostos a transigir é a manutenção do Programa este ano, não abrimos mão disso. Pode-se retirar alguns CNAES no ano que vem, admitimos. Em 2026, talvez, haja uma alteração sobre o lucro líquido e Cofins. E em 2027, talvez, a extinção do Perse, digo “talvez” porque não posso falar por todas as categorias. 

Nossa demanda é: queremos a redação do PL o mais rápido possível, para vermos o que o governo está propondo. A preocupação é que o governo esteja ganhando tempo para encurtar a sistemática de cálculo baseado na Medida Provisória, então queremos discutir com a base concreta, ou seja, a redação do PL. 

Quais mudanças, no seu entendimento, seriam ideais para atender às necessidades do setor e também às do governo?

Antes de mais nada, o governo precisa redigir o PL. Com o texto base podemos transigir aqui ou lá e avançar. Sem o texto base, permanece a posição já mencionada, fora disso não vejo como seria além da isenção até 2027. Essa é nossa proposta 

Caso o programa seja extinto de fato, onde as empresas do setor vão procurar apoio para manter o ritmo dos negócios? 

A medida provisória está em vigor, os partidos podem derrubá-la, como já houve em várias outras situações. Então o governo corre o risco de perder a vigência da Medida Provisória e restabelecer o Perse como um todo. 

Podemos discutir quando o governo apresentar o PL, mas acredito que o setor já está revigorado, o momento está bom, os eventos voltaram, não negamos isso, o setor do turismo tem avançado muito. Então, queremos trabalhar sob um panorama de: geração de receita para pagamento das dívidas passadas, situação que permita uma negociação adequada, por isso o Perse se faz necessário. 

Queremos também mudanças de estrutura, como, por exemplo, a questão de baixar os preços das passagens aéreas, a questão já termos a reforma tributária e a regulamentação dela se dá em níveis adequados, o turismo foi contemplado com um regime especial na reforma tributária. 

Então, queremos, nas primeiras adequações da reforma, que essa sistemática, de uma alíquota mais plausível para o setor seja mantida. E o turismo é prioritário, gera emprego adequado e renda para famílias em classes sociais menos favorecidas e em setores mais tímidos.