Gestora Alphatree inicia 2023 de olho na inflação global

Casa de investimentos, criada em 2021, está alocada no Brasil, China e EUA, com um fundo multimercado

A gestora de investimentos Alphatree, agora com dois anos de existência, amadureceu seu negócio e já alcança a marca de mais de R$ 460 milhões sob gestão em um único fundo multimercado. Sua estratégia engloba uma análise sistemática do mercado internacional, voltando seu olhar para as políticas monetárias, os índices de inflação e a taxa de juros de países como EUA e China, onde atuam. No Brasil, atualmente, o foco está em títulos de tesouro público, como estratégia de proteção via renda fixa.

“Um pouco da ideia do nosso produto é olhar o todo, o macro global, entender as circunstâncias econômicas do mundo para proteger o patrimônio do cotista, não só pensando que ele está somente isolado aqui dentro do Brasil. Você vê que, no ano passado, os fundos multimercados foram muito bem, são fundos que conseguem navegar bem, principalmente nesses cenários desafiadores, igual foi 2022 e tem cara de que vai ser 2023 e 2024. O hedge fund é um produto muito bom”, explicou o co-CEO e portfolio manager Jonas Doi.

Para o país norte-americano, a preocupação é com a inflação de certos setores. Segundo o CIO e co-CEO, Rodrigo Jolig, responsável por conduzir a alocação internacional, o Federal Reserve (FED) tem dado sinalizações recentes que está chegando muito próximo do que eles consideram como um nível suficientemente restritivo para cogitar a convergência da inflação.

“Outros bancos centrais também estão começando a conversar que estão chegando próximo do aperto monetário. Então o que a gente tem visto agora, é que os índices de inflação começaram a virar. A pergunta que eu acho que fica para 2023 é: se a parte mais inercial da inflação, que é a de serviços e salários, vai começar a convergir para baixo”, explicou Jolig.

Já para a China, eles explicam que a reabertura da economia irá favorecer mais o consumo local, o que acarretará em uma demanda de energia mais forte. “O chinês está viajando mais, gastando mais em consumo local. Você também vê o petróleo se recuperando um pouco da queda que teve no fim do segundo semestre do ano passado. Acho que reabertura é um processo que leva de três a seis meses. O mercado adora antecipar as coisas, mas eu acho que a demanda por energia vai continuar mais forte”, explicou.

O Brasil entra na casa como uma proteção para os reflexos da inflação. Com isso, a Alphatree aposta em alocações de títulos públicos locais. “Pela comunicação de como o governo está pensando em tocar a parte de política fiscal e monetária, as NTN-Bs passam a ser um ativo valioso, ainda mais as curtas. Quando você pensa em pessoa física, é um ativo pouco explorado, até porque não é o produto mais fácil de você entender, então para os investidores físicos comuns acabam passando batido. Mas é um título curto, com liquidez e que fornece proteção, por isso a gente tem aqui na casa”, contou Doi.

Confira a entrevista exclusiva da gestora Alphatree ao BP Money

Vocês podem contar com mais detalhes sobre o diferencial do fundo multimercado da Alphatree?

Jonas – O Alphatree multimercado é um hedge fund, só que é um pouco diferente do que tem de produtos hoje disponíveis. Ele é um produto muito mais focado para macro global. Então a gente tem uma porção significativa do que a gente investe lá fora. E por que isso é importante? A gente pega como exemplo o final de 2021 e de 2022, onde a gente teve um forte movimento de queda de cadeia produtiva, tanto na parte de commodities, como industrial. Consequentemente, você teve inflação e, em seguida, você teve os policy makers ajustando a política monetária. A maioria dos produtos passivos – e mesmo produtos que investem somente no Brasil – tiveram uma certa dificuldade de conseguir se defender nesse cenário, porque obviamente para a bolsa é pior.

Então você tem esse encadeamento de fatos que impedem com que produtos passivos consigam se proteger e é nesse momento que o hedge fund faz muito sentido. A gente consegue apostar em alguns ativos que não são tão comuns. Por exemplo, se você está tendo queda de cadeia produtiva, você pode se proteger comprando commodities. Ou dado que você tenha um problema de matriz energética, você compra petróleo.

O hedge fund consegue tanto se proteger comprando commodities, como também, por exemplo, ficando tomado em taxa de juros. O que isso quer dizer? Quando os juros sobem, a gente consegue ganhar dinheiro. Então a taxa de juros americanos subindo (mas não estando alta), o hedge fund consegue se beneficiar disso. A gente consegue se proteger tanto do preço de commodities subindo, que é a causa do porquê os juros sobe, como também do próprio juros subindo. Além das consequências seguintes. Essa taxa de juros americanos, que está subindo na frente de todo mundo, você tem um dólar forte, então a gente consegue também se proteger comprando dólar. Por isso, é bom também estar com um fundo offshore, não só no mercado brasileiro.

Em 2022, o fundo teve uma rentabilidade acumulada de 18.49%, enquanto o CDI teve 12,37%. O que vocês atribuem esse resultado positivo?

Jonas – Boa parte do que a gente teve de rentabilidade, a gente comprou petróleo, a gente ficou tomado em taxas de juros americanos. Mais para o meio do ano, a gente comprou o dólar yuan, que teve uma força significativa de preço, e a gente também vendeu o S&P 500, que foi muito bem no primeiro semestre, mas no segundo nem tanto. Mas os grandes contribuidores para a performance com certeza são esses ativos. 

Rodrigo – É sempre bom frisar, nosso produto é um CDI mais. Olhando um cenário em que o CDI está alto, a nossa meta é CDI mais 5%, 10%. Esse é o ideal para nosso produto. Então, em um cenário em que a renda fixa está indo bem, o multimercado se encaixa ainda melhor com CDI alto, com uma gestão ativa diversificada em ativos globais.

Jonas – As pessoas, quando olham multimercados, principalmente os consagrados, o ideal é que você vai pensar que ele vai dar o CDI mais alguma coisa. Principalmente, porque ele não pode ficar long short com todas as coisas. A gente não é um fundo passivo. A ideia então é que, quando nosso piso acaba sendo o CDI, a gente é um total return em cima de um CDI.

Vocês falaram bastante sobre o setor de serviços. Podem explicar melhor?

Rodrigo – Com essa mudança cíclica, causada pelos lockdowns, as pessoas têm gastado mais em serviço, com um pouco da renda que acumularam ao longo dos últimos anos, então temos a demanda por serviços muito forte, o que tem mantido o preço de serviços forte. A economia, não só a brasileira, todas têm mostrado dados de crescimento altos e algumas já até estavam em uma base mais forte. Até mesmo a economia americana, onde o mercado de trabalho está bem apertado, você vê essa demanda por serviços crescendo.

O setor de serviços é o que mais demanda mão de obra, muita gente querendo viajar, ir para restaurante, show, tudo isso faz com que essa linha de serviço continue sendo pressionada e essa é a grande preocupação agora: será que esses números vão voltar a convergir para as metas dos bancos centrais? Seja do FED, que é 2%, ou do Brasil, que ainda estamos em 3/3,5%, mas convergindo mais para baixo. É isso que vai dar confiança para os bancos centrais dizerem que o aperto monetário já foi suficiente.

A gente está começando a discutir o próximo ciclo de política monetária que está com cara de que vai ser um corte. Estamos assumindo que esses índices voltem a convergir para baixo. Olhando para frente é essa a pergunta para 2023: se a inflação realmente vai convergir com as metas de médio e longo prazo dos governos. Isso vai ditar a política monetária e vai ditar se a gente arrisca ou não.

Caso não, acho que mais aperto monetário vai se fazer necessário e, eventualmente, vamos chegar em um cenário que a economia vai sentir mais ainda e teremos um sinal de recessão mais forte. Uma recessão vamos ter nos EUA, é uma questão de saber o tamanho dela. E o mercado fica nessa discussão: vai ser Hard landing ou Soft landing, é um cenário de muita volatilidade pela frente.

Bom, vocês estão alocados dentro e fora do Brasil, em renda fixa e variável. Como foi a exposição de vocês no ano passado? Qual foi o setor/empresa que mais se destacou e por que?

Rodrigo – Nosso foco é mais em macro, posição em moedas, juros, índices, renda variável e commodities, daí a gente olha outras classes também, volatilidade, e assim vai.

No ano passado, a gente teve posição comprada em petróleo, em posição comprada em título público brasileiro (NTN-B), a gente teve posição até vendida em dólar, comprada em real, pensando com a cabeça de que o Banco Central (BC) do Brasil foi o primeiro do mundo a começar a apertar juros, falar de inflação e realmente combater a inflação. Então estudamos um colchão de proteção para a moeda dos investidores, que buscam ativos que pagam mais juros, enquanto saímos de ativos que pagam menos juros. Isso ajudou a recuperar um pouco do espaço da moeda brasileira perdido em 2021.

A gente também tem uma posição vendida em bonds americanos, via futuros, que ganha dinheiro quando a renda fixa americana cai, quando os juros sobem ao longo do tempo. Então essas posições são as principais do ano passado com essa tese de inflação global.

Falando sobre o Brasil, com a eleição de Lula, já temos alguns pontos importantes na agenda econômica do presidente. Como vocês estão visualizando este e os próximos anos de seu mandato?

Rodrigo – O mercado tende a ter essas trocas ou de muito otimismo ou de muito pessimismo. Acho que as sinalizações na ponta tem sido aquém do que o mercado gostaria com relação à disciplina fiscal, mas daí na hora que o bicho aperta, saem notícias melhores de comprometimento com metas esperadas.

Acho que temos uma incerteza muito grande sobre qual vai ser a nossa nova âncora fiscal. Temos várias ideias que ficaram ventilando, a gente até tenta antecipar, mas acho que ainda é muito cedo ainda para tentar visualizar. Eu não acho que a gente vai caminhar para algo explosivo, mas está com cara que a gente vai caminhar para um cenário em que os juros reais vão ficar mais elevados por um tempo, o que tende a dificultar um pouco a questão de renda variável para o Brasil.

Talvez a gente volte para aquele modelo de que os juros reais vão ficar mais altos, o que tende a apreciar a moeda, porque o investimento estrangeiro vem para cá. Eu acho que o gringo tem um memória boa dos governos Lula. Também toda essa pegada ESG ajuda bastante para um mood de investimento do gringo com relação ao Brasil. Mas a gente precisa de uma sinalização mais clara do que vai ser a âncora fiscal, com os juros fechando, então a gente está ainda mais cauteloso com essa parte de renda variável, está um cenário muito binário.

Na última entrevista conosco, vocês comentaram sobre um cenário de desglobalização. Podem explicar mais sobre isso?

Rodrigo – Eu acho que ainda vai ter um rearranjo de algumas feridas que ficaram da pandemia com o completo colapso das redes de produção, porque um país estava em lockdown, outro não. Da parte produtiva, em si, da China, acho que o que impactou foi mais o consumo local deles do que as fábricas, que de certa forma mantiveram alguma atividade por lá.

Além disso, os últimos três, quatro anos do governo chinês foi focado na parte de regulamentação do setor imobiliário, depois tecnologia, apertando a educação. Isso, somando as feridas da Covid-19 e mais esse trackdown, você vê ainda uma pressão das empresas americanas e das empresas europeias até de tentarem sair um pouco.

Os europeus estão tentando ficar menos dependentes da Rússia, os americanos tentando trazer a produção um pouco mais perto para eles, para não acontecer o que aconteceu durante a pandemia. Você vê fábricas voltando aos Estados Unidos, indo para o México. Agora o novo case de investimento que o pessoal está falando é a Índia, a Apple, em si, pensando em deslocar a fábrica da China para lá.

Eu acho que esse movimento ainda vai continuar um pouco, isso só corrobora a tese do que a gente tem visto de pressão inflacionária. Ainda mais se o mercado de trabalho ficar apertado, se o pessoal continuar consumindo, com renda disponível para consumo, eu acho que pode ser que ajude a inflação ficar ainda mais inercial para cima. Então tudo isso compõe o nosso cenário de risco aqui.

E sobre os EUA, com a inflação, a taxa de juros subindo e uma possibilidade de recessão. Como vocês visualizam isso?

Rodrigo – A gente está mais cauteloso. O cenário que está acontecendo agora é de produtos industrializados caindo e mão de obra crescendo acima da inflação. Olhando para frente, está rodando ali a 4%, que é acima da meta de inflação do FED. Nesse cenário, se a inflação não começar a cair, o FED vai ter que continuar subindo juros, então, eventualmente, a gente vai ter que ter uma recessão para conseguir, sim, elevar um pouco a taxa de desemprego, para aliviar essa pressão sobre salários e fazer com que a inflação realmente caia para níveis de 2/2,5%. 

Acho que é um cenário que se a gente não chegar em uma recessão, provavelmente a inflação vai continuar forte, daí o FED vai ter que subir mais juros, o que vai ser ruim para ativos de risco, em si, nos EUA e global. Pode ser que a bolsa não caia nos próximos dois, três, ou seis meses, mas acho que também o upside é um pouco limitado, porque é difícil acreditar que a inflação vai convergir a 2,5% e a gente vai chegar e falar que os EUA está crescendo ainda, e o desemprego super apertado e a inflação cai. Então aqui na gestora, a gente está bem cauteloso, o upside de bolsa é bastante limitado nesse cenário.