Artigo: Recuperar o cliente é caminho para fim da inadimplência

O capital intensivo das utilities exige eficiência operacional em padrões de qualidade mínimos estabelecidos

Cláudio Brandão Silveira*
 
Num Brasil de desigualdade social tão relevante, difícil não sermos sensíveis às dores de milhões de famílias em momentos críticos como vivemos.

Com aproximadamente 80% da população endividada, nível que pela primeira vez alcançou também a faixa de quem ganha até dez salários-mínimos, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), continua crescendo o número de consumidores que atrasam o pagamento de dívidas correntes. Considerando dados de setembro, 30% das famílias brasileiras estão inadimplentes com contas mensais.

Corroborando essa dura estatística, estudo recente da Serasa Experian reforça que há quase 67 milhões de pessoas com dívidas em atraso no Brasil, sendo aproximadamente 15 milhões em contas mensais de consumo (água, energia elétrica, gás etc).

As contas de serviços essenciais estão entre as últimas a serem sacrificadas, mas depois que essa barreira se rompe, regularizar é um desafio muitas vezes difícil de transpor.
Quando falamos da inadimplência que atinge uma concessionária de serviços públicos de energia, saneamento ou gás, temos em larga escala pessoas físicas endividadas e com estoque de passivos que precisam de tratamento cada vez mais empático e criativo. Os clientes cativos, aqueles que não deixarão de demandar serviços dessas utilities enquanto ali residirem, precisam de soluções para manter a prestação de serviços ativa, reestabelecer o serviço eventualmente descontinuado por um corte, evitar o nome inscrito em cadastros negativos de crédito. 

Na visão da concessionária, há o esforço para a recuperação do crédito inadimplido, mas também a preocupação com a próxima conta a ser emitida, que provavelmente acumulará, a menos que uma solução para o estoque da dívida desse cliente seja implementada.
Da mesma forma que o cliente não se torna irregular por opção – perder o direito ao serviço e/ou ter nome em cadastros negativos não é uma escolha, a concessionária não quer perder o cliente por um desligamento forçado. Não há vencedores no cenário de ruptura dessa relação.

A inadimplência acumulada no contas a receber das utilities é representada por algumas dezenas de bilhões de reais (somente nas distribuidoras de energia, as contas vencidas em 31/12/2021 ultrapassavam R$ 24 bilhões, dos quais R$ 14 bilhões acima de 90 dias – esse número cresce materialmente com a inclusão de créditos baixados para incobráveis), foi certamente agravada pela dura e longa pandemia, pela elevada inflação e pelos momentos de juros mais elevados que vivenciamos.   

Por mais eficiente que uma concessionária seja no exercício do corte na prestação do serviço prestado e não pago (lembrando que durante a pandemia o direito ao corte foi suspenso, implicando em acúmulos de inadimplência ainda maiores), essa situação não resolvida reflete na adoção de mecanismos ilegais por uma parcela muito grande de consumidores, com consequências danosas para as empresas e mesmo para os consumidores que pagam suas contas regularmente, que em dada escala subsidiam a inadimplência e o furto através das tarifas pagas.

O capital intensivo das utilities exige eficiência operacional em padrões de qualidade mínimos estabelecidos pelos reguladores e saúde financeira que permita financiamento dos elevados investimentos em condições adequadas. A concessionária precisa receber pelo serviço prestado, em respeito aos seus contratos e aos seus clientes regulares.
Pensar “fora da caixa” é fundamental para que as empresas minimizem suas perdas comerciais e financeiras, e para que os clientes possam ser recuperados, permitindo equações que sejam positivas para todos. 

Com a taxa de desemprego em queda, atingindo 8,7% ao final do terceiro trimestre de 2022, segundo o IBGE, menor índice desde junho de 2015, e mesmo que ainda impactando 9,5 milhões de pessoas, esse indicador combinado com a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600,00 em 2023, e considerando que a inflação será mantida em equilíbrio, pode ser criado um ambiente para uma melhoria na adimplência das famílias, principalmente no que se refere a contas de serviços básicos. 

Assim como a ruptura dessa relação não tem vencedores, a solução não deve ter um único ganhador. Há caminhos conciliadores e criativos a perseguir, sempre considerando esforços empregados pelas próprias concessionárias, por clientes, por empresas dedicadas ao apoio na cobrança de créditos e mesmo trazendo soluções disponíveis no mercado financeiro, ainda pouco exploradas! 

*Cláudio Brandão Silveira foi executivo financeiro do setor elétrico por três décadas, é sócio da BeeCap, empresa que fundou a Beep Soluções Financeiras no final de 2020, numa joint venture com a Paschoalotto, a maior plataforma de cobrança humana e digital da América Latina.